Sapucaí e Intendente: duas faces opostas do carnaval carioca

por Leonardo Antan

O Rio de Janeiro é marcado por desigualdades. As favelas surgidas em meio a bairros nobres já se tornaram imagens icônicas que representam uma cidade partida. O desfile das escolas de samba, como reflexo do lugar no qual habitam, refletem muito bem tais contradições. Se a antítese “morro e asfalto” já se tornou icônica no imaginário carioca, no carnaval, podemos falar numa dicotomia que possuí o mesmo efeito: “Sapucaí e Intendente”, os dois lados da folia carioca.
A ‘prima rica’ é dona de um palco só dela e atraí todos os olhares dos sambistas apaixonados e turistas, com camarotes lotados de celebridades, desfiles transmitidos ao vivo para o mundo todo, alegorias impactantes e está cravada numa das principais vias da cidade… Longe dali, no coração do subúrbio, a outro ‘prima’ tem uma vida sofrida, com estrutura precária, uma série de dificuldades, escolas que desfilam singelas e lutam para se manter em pé. O que poucos sabem é que uma tem muito a aprender com a outra… 
Apesar de ter seu próprio palco, a ‘rica’ ainda sofre. Ela também tem suas dificuldades, um entorno bem perigoso e de difícil acesso, um viaduto que insiste em atrapalhar, uma má valorização da mídia e pessoas que a acusam de ter se ‘espetacularizado’ demais. Um público distante e frio, cinza como as arquibancadas de concreto. Já a ‘pobrezinha’, não é tão coitada como pensam. Apesar da situação difícil, as escolas dão um exemplo verdadeiro de como é ser brasileiro e superar as dificuldades. Apesar da falta de estrutura, muitas escolas dão um show de samba no pé, animação e simplicidade. Fazendo balançar as arquibancadas de metal bem próximas a passarela. Muitos dizem que a Intendente inveja a prima rica, mas não seria a esnobe que teria que descer do salto e aprender um pouco com a pobreza?
A dona Sapucaí recebe cifras milionárias de governo público, televisão, patrocínio… Mas quem sabe poderia perder alguns cifrões para aprender a valorizar quem dá seu sangue por ela. Poderosa, conta com uma Cidade só dela, com verdadeiras fábricas carnavalescas. E a outra tem só um barracão pra todo mundo, sem estrutura ou segurança, que abriga escolas de quatros grupos diferentes, uma do lado da outra, trocando esculturas, emprestando um soldador… Uma típica família suburbana que vive no mesmo quintal.
Muitas são as histórias por trás das dificuldades na Intendente: fiação que atrapalha fazendo os destaques dos carros terem que se abaixar durante o desfile, componentes garimpados ali mesmo na concentração, dificuldades financeiras e administrativas. Alguns tormentos que a ‘rica’ conhece muito bem.

Duas primas com muito mais semelhanças do que se pensa. Duas faces da mesma moeda, que tem muito a aprender uma com outra. Não há coitadismo. Uma não é ‘verdadeiro’ lugar onde o samba resiste e a outra não é só palco de desfiles gigantescos. As duas guardam seu lado rico e pobre. São populares em seu íntimo. Expressões máximas de um mesmo carnaval, de uma mesma gente. Duas sabedorias que devem ser compartilhadas e somadas. Uma diferença que precisa ser minimizada e repensada. Assim como morro e asfalto. Intendente e Sapucaí.

Leonardo Antan é folião frequentador do Sambódromo desde criança e tem verdadeiro amor pelas escolas de sambas. Trabalha, estuda e vive o mundo de confetes e serpentinas durante o ano inteiro. Atualmente, cursa História da Arte na UERJ onde pesquisa também sobre o tema.

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2 respostas

  1. Perfeito esse texto Leonardo Antam eu que sou Compositor dos dois mundos Portela,Coroado de Jacarepaguá e Flor da Mina do Andaraí sei bem do que você está falando aliás com o Coroado eu desfilava na AV. Rio Branco desde a época que a atual Escola de Samba era bloco de enredo e tive a honra e o orgulho da mesma virar escola de Samba com meu Samba em 2014 tendo como enredo um dos maiores Bambas e ganhador de Samba enredo do Império Serrano Mestre Aluízio Machado parceiro de Beto sem braço.O Samba precisa de união e equilíbrio dos investimentos para crescer ainda mais é se perpetuar por várias gerações futuras parabéns pelo belíssimo texto grande abraço.

  2. Perfeito esse texto Leonardo Antam eu que sou Compositor dos dois mundos Portela,Coroado de Jacarepaguá e Flor da Mina do Andaraí sei bem do que você está falando aliás com o Coroado eu desfilava na AV. Rio Branco desde a época que a atual Escola de Samba era bloco de enredo e tive a honra e o orgulho da mesma virar escola de Samba com meu Samba em 2014 tendo como enredo um dos maiores Bambas e ganhador de Samba enredo do Império Serrano Mestre Aluízio Machado parceiro de Beto sem braço.O Samba precisa de união e equilíbrio dos investimentos para crescer ainda mais é se perpetuar por várias gerações futuras parabéns pelo belíssimo texto grande abraço.

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