Por Leonardo Antan
A #SérieCarnavalescos segue valorizando nomes poucos reconhecidos da festa, com textos novos às segundas e quintas.
A alegoria com frutas e verduras de verdade em 1982. |
A sinergia entre o público e os desfilantes na apresentação, que aconteceu já com o dia claro, foi um dos diferencias do cortejo. Essa catarse promovida pela atualidade dos temas e pelo diálogo direto de Reis com a massa popular seria o que faria a Caprichosos ter a força popular que ocupa até hoje no imaginário dos foliões, diferente de outras parceiras de crítica na época, como a São Clemente, que apresentava desfiles mais sisudos.
Em desfiles como “E por falar em Saudade…”, ao trazer o cotidiano de tempos antigos, Luiz Fernando Reis se aproximava do popular, dialogando com elementos banais e da dita cultura de massa. O carnavalesco perpassou desde o bonde, o amolador de facas, o leite sem água até a feira livre, até o humorista Chico Anysio, transformado em rei do humor e saudado por grandes nomes da comédia nacional, trajados como duques e barões. Uma divertida inversão.
Se nos respiros finais da ditadura civil-militar, algumas escolas começavam a ter de maneira velada alguma crítica ao governo vigente, Luiz Fernando foi um dos primeiros carnavalescos a fazer uma crítica direta ao regime, com o inesquecível carro alegórico de 1984, que trazia um muro grafitado clamando pelas “Diretas” em meio a caricaturas de políticos da época. Na frente, ainda havia um bobo da corte satirizando Salim Maluf, transformado em “Milas Fulam” na narrativa. O desfile da inauguração do sambódromo é um dos mais importantes da carreira do profissional, pois consagra sua ascensão na Caprichosos de Pilares e no imaginário carnavalesco, quando a dupla conquista uma ótima colocação com um desfile leve, descontraído e político, num gesto artístico de dessacralizar os desfiles com temas que se ligavam ao cotidiano de maneira tão objetiva.
Imagens do carnaval de 1984. |
Essas pequenas alegorias marcariam outra característica importante da linguagem dos desfiles do “carnavalesco caprichoso”, a estética do precário e do esculhambado. Ao contrário do luxo comum, Luiz Fernando Reis se interessaria em construir um estilo na contramão. Essa falta de apuro estético pode ser entendida como parte de uma proposta, na qual, o foco não é o alcance visual das formas e volumes a serem percebidos pelos espectadores. Ao contrário, as palavras de ordem acrescentadas nesse visual poluído e quase “sujo” reforçam seu caráter político.
Na mídia, escrita e falada, surgiriam comparações dos desfiles da Caprichosos de Pilares com um “bloco”. Esse caráter coletivo e “de massa” é reforçado através do desejo de Luiz Fernando em se comunicar com o povo, de massa (corpo de componentes da escola) para massa (público espectador), um dos fatores do sucesso da inesquecível apresentação de 1985, que faturou o Estandarte de Ouro de Melhor Escola daquele ano. Apesar de perder para a futurista Mocidade, o elogiado desfile da azul e branco de Pilares se sagrou como principal influência para o ano seguinte..
Visão geral do desfile de 1985 (Foto: O Globo) |
Mesmo com uma grande aceitação e repercussão de suas apresentações na Caprichosos, a trajetória da escola com Luiz Fernando Reis não seria marcada exatamente por bons resultados na classificação geral. O sucesso popular e midiático da agremiação faria crescer um desejo por melhores colocações, o que resultaria uma cobrança com a produção do carnavalesco, intimado a fazer um desfile “sério”, já que seu estilo era visto como algo menor e “engraçadinho”, não uma proposição artística como a dos nomes consagrados da folia.
O abre-alas de 1987 na concentração. |
Após a saída de Pilares, Reis patinaria sem rumo na folia. Primeiro, tentaria impor seu carnaval anárquico numa escola de personalidade oposta. O enredo “Conta outra que essa foi boa”, sobre piadas e anedotas, fez a Imperatriz Leopoldinense não se reconhecer na avenida e amargar um último lugar. Logo depois, acabou negociado, atingindo um estilo mais clássico ao exaltar a negritude no Salgueiro. O resultado foi um bom e elogiado desfile, exaltando personagens revelados pela Academia anos antes, bebendo na fonte da estética revolucionária de Pamplona e Arlindo e abusando do vermelho. O único senão foi que a boa apresentação acabou sendo abafada pela histórica briga entre Imperatriz e Beija-Flor, em um dos anos mais conturbados da história da folia, 1989.
Os desfiles da Imperatriz (88), Salgueiro (89), Tijuca (90) e Ilha (92) |
No especial, o carnavalesco assinaria, por fim, na São Clemente, parceira da Caprichosos na área crítica dos anos 80, o enredo “O que é, o que é, que não é mas será?”, falando do sonho de crescimento do país, em busca da estabilidade econômica. Como os tempos haviam mudado, a crítica se transformou em apoio, a escola acabou rebaixada.
Num cenário de início da década de 1990, que tinha Renato Lage campeão pela Mocidade com desfiles tecnológicos, a contestação perdia o sentindo. O trabalho de Reis se encontrava num meio do caminho problemático, pois já não tinha a estética simples e comunicativa de antes, nem se encontrava em pé de igualdade das escolas que disputavam as primeiras posições. Ao procurar então se adaptar à voz dominante, o carnavalesco se estagnou em um entre-lugar problemático, acarretando um fim de carreira esquecível, no qual passeou pelos últimos lugares, contribuindo para seu esquecimento.
As apresentações da Caprichosos de 1993 e 1994. |
O fim pouco expressivo de sua carreira, contrariando a explosão inicial, marca a dificuldade do carnaval de absorver outras formas de desfiles, além dos luxuosos e barrocos tradicionais. Se o julgamento funciona como a legitimação de um trabalho, o júri não reforçou as qualidades artísticas de Reis, fazendo-o ser visto como uma produção menor e com menos qualidades do que os desfiles que alcançaram as primeiras posições.
Cobrado pelas agremiações em busca de bons resultados, o carnavalesco não soube se adaptar às necessidades do sistema sem perder suas principais qualidades, reforçando o caráter original de sua produção nos anos 80. É no terreno da apropriação de objetos, do uso da linguagem escrita e da estética do precário, que a produção de Luiz Fernando se firmaria pela singularidade, nos anos de 1980, nas escolas de samba, aproximando-se da vida e ruindo com a ideia categórica e sistematizada do carnaval capitalista.
Em 2018, com a urgente volta dos enredos críticos e sua revalorização na festa, é necessário louvar o pai de tudo isso, já que o seu legado, como artista protagonista dos desfiles criou um dos estilos mais relevantes e originais dos últimos tempos. Afinal, mesmo sem posições expressivas, sua herança permanece no imaginário, ainda sendo urgente para o carnaval.