#SérieCarnavalescos: O estilo arrojado dos carnavais de Mauro Quintaes

Por Beatriz Freire e Leonardo Antan

A #SérieCarnavalescos está dominando o site no mês de junho, com textos novos às segundas e quintas. Não perca!

Mesmo longe dos holofotes e da mídia, alguns carnavalescos conseguem delinear sua carreira com personalidade através dos desfiles que assinam. É o caso de Mauro Quintaes, que apesar de atuar há mais de vinte anos na festa tem seu estilo e trabalho pouco reconhecidos, em passagens marcantes nos grupos especial e de acesso, entre o Rio e São Paulo.

Quintaes começou a carreira trabalhando como assistente de Max Lopes, na Vila Isabel, na década de 80, seguindo como auxiliar do “Mago das Cores” até o início dos anos 90, quando juntos foram responsáveis pelos carnavais que levaram a Viradouro para o grupo especial, onde lá escola permaneceu. Em 94, com a chegada de Joãosinho Trinta a vermelho e branco de Niterói, Mauro continuou na agremiação, auxiliando o lendário artista maranhense. No ano seguinte, colaborou com outra escola do lado de lá da Baía de Guanabara, quando foi um dos agentes importantes para a ascensão da Porto da Pedra, estreando como artista principal.

Destacando-se como revelação logo em seus primeiros carnavais, garantiu boas posições em três casamentos seguidos com escolas alvirrubras. Caracterizando-se pelo estilo arrojado, alegorias modernosas e cenográficas, em um estilo de carnaval mais limpo, inspirado pelo High-Tech de Renato Lage, Mauro construiu um requinte marcante na passagem para o século XXI. Apesar de importante até os meados do início dos anos 2000, o artista patinou por posições medianas durante a última década e, sem espaço na folia do especial carioca, oscilou entre os grupos de acesso, tendo sua importância menos reconhecida.

Por isso, vamos relembrar agora os grandes carnavais desse artista e entender um pouco de como o carnavalesco desenvolveu sua identidade estética nas principais escolas por onde passou. Vem com a gente! 


Porto da Pedra 1995-98

A abertura da Porto da Pedra em 1996 (Foto Widger Frota)

Inspirada no sucesso da Viradouro, a Porto da Pedra deixou o carnaval do outro lado da ponte e veio tentar a sorte em terras cariocas. Com a força da comunidade de São Gonçalo e muito bem estruturada, a vermelho e branco teve no talento de Mauro Quintaes, em início de carreira, um de seus principais trunfos para se firmar na folia da Sapucaí. Dividindo o expediente em sua estreia como carnavalesco principal, Mauro foi responsável, em 1995, pelo carnaval da Caprichosos, no grupo especial, e deu a vitória ao Tigre no mesmo ano, no acesso. 
Para a estreia do Tigre no grupo principal, o enredo fez uma viagem pelos principais carnavais do globo em “A folia no mundo – Um carnaval dos carnavais”. Apesar do tema muito explorado, a narrativa trouxe o frescor e a simpatia de um samba animado, muito bem defendido por Wantuir. Com uma entrada que apostou nas cores da escola, Quintaes começou a desenvolver seu estilo cenográfico, apostando em carros de formas limpas e bem desenhadas, aliado a um excelente acabamento. Contrapondo ao estilo clean das alegorias, as fantasias apostaram na volumetria e nos enormes esplendores, que fizeram a escola ganhar “mais corpo”.

O abre-alas mesclou vermelho ao rosa. 

Embalada pelo inesquecível refrão “endiablado, eu tô”, a comunidade de São Gonçalo comeu o asfalto da Sapucaí e aliou a beleza plástica à força necessária de uma agremiação que queria se firmar no grupo. Elogiada na transmissão da TV, a escola recebeu um inesquecível comentário de Fernando Pamplona, com seu estilo sempre perspicaz, que ao tratar da bela apresentação, resumiu: “ninguém é vermelho e branco impunemente”, fazendo referência ao seu Salgueiro. A Porto da Pedra não só garantiu a permanência entre as grandes, mas faturou um honroso nono lugar.

“Doido para ganhar o carnaval”, a Porto “mostrou as garras na avenida” com ainda mais força no ano seguinte, realizando o que seria um dos maiores desfiles da história da escola até hoje. Iniciando o que pretendia ser uma trilogia sobre grupos marginalizados pela sociedade, o enredo passeou por grandes personalidades e personagens da ficção considerados “loucos”. Batizada de “No reino da folia, cada louco com sua mania”, a apresentação repetiu a fórmula de um desfile com força nos quesitos de chão e um samba valente e animado, em consonância a bela plástica de Quintaes.

Assim como no ano anterior, o carnavalesco sobre trabalhar as cores da escolas nos primeiros setores para depois explodir em tons mais diversos. Com uma linda abertura, o abre-alas trouxe um delirante hospício, tendo um grande tigre em destaque e um letreiro que apresentava a agremiação. O conjunto alegórico foi dos melhores do ano, destacando-se por diferentes estilos de carros que seriam típicos do carnavalesco em seus carnavais seguintes, marcados pela arquitetura sempre definida e pelo bom aspecto de cenário, como no setor que lembrava “O Fantasma da Ópera”. Sem exagerar na volumetria, as alegorias começavam, geralmente, com uma base bem desenhada e baixa que ia crescendo e formando diferentes palcos, com uma boa utilização dos “queijos” dos destaques para dar um aspecto arrojado, de formas vazadas, que fugiam de um estilo mais entulhado tradicional da estética chamada “barroca”.

Foto: O Globo.

Ainda em 97, o samba-enredo conduziu bem a apresentação dando um toque mais leve ao tema e apresentando de maneira inteligente os personagens contados no enredo, que ousou mesclar nomes de fácil comunicação, como Raul Seixas e o Menino Maluquinho, à personagens menos conhecidos, como o bailarino russo Nijinsky e Bispo do Rosário, que começava a ser reconhecida no mundo das artes. A apresentação marcante e simpática alcançou um inesquecível quinto lugar, garantindo a volta da escola nas campeãs um ano após ascender, sendo o melhor posição conquistada pela escola alvirrubra até hoje na folia carioca. 

Depois dos “loucos”, foi a vez dos “ladrões”. Mergulhando em uma linha bem humorada e crítica, “Samba no pé e mãos ao alto, isto é um assalto!” lembrou grandes assaltos e marginais da história mundial. Novamente, a abertura foi um dos pontos altos da apresentação, trazendo uma divertida comissão de frente “aprisionada”. Depois do hospício do cortejo anterior, o abre-alas representou uma lúdica prisão, trazendo outra vez um enorme e afirmativo tigre, num cenário moderno e traçado.

Foto: Hipolito Pereira (O Globo)

O primeiro setor apostou, mais uma vez, na mescla dos tons vermelhos com rosa e lilás, assim como as fantasias, que seguiram grandiosas, com enormes golas e esplendores volumosos. Já os carros alegóricos não tiveram o mesmo nível do ano anterior. De todo modo, um dos destaques positivos do conjunto foi o reforço de um estilo de alegoria pouco utilizada no geral, mas marcante: a de formas assimétricas. Quase sempre, todo desfile até ali e nos anos seguintes, Mauro apostou num carro que se destacava do conjunto por dois lados díspares, fugindo as formas mais harmônicas. Em 95, foi no setor que trazia a folia de Trindade; no ano seguinte, o que lembrou “O Fantasma da Ópera”; e naquela ocasião, o setor abordava o sedutor Casanova, ladrão de corações no enredo.

O desfilou contou ainda com passagens divertidas, apostando na criação de cenas através de alas coreografadas, que traziam um aspecto crítico ao abordar o tema. A última alegoria clamou pela justiça e pelo fim da impunidade aos criminosos, e se destacou pelo aspecto moderno formado por diferentes níveis, além de uma forte iluminação neon. Sem dúvidas, uma assinatura inconfundível do artista. 

Detalhe do abre-alas (Foto Widger Frota)

Na pista, em relação aos outros anos, a obra musical sofreu queda de qualidade, ainda que fosse simpática e animada, apostando em versos polêmicos que brincavam com os jurados do carnaval. Com menos força e ainda querendo alfinetar a liga, a emergente Porto da Pedra saiu da posição de destaque para um rebaixamento injusto, dando fim ao casamento entre a escola e o carnavalesco. Com isso, a trilogia dos marginalizados, que se encerraria com um desfile sobre as prostitutas, não foi concluída.

Salgueiro 1999-2002

Depois da passagem pela Porto da Pedra, que recebeu o jovem carnavalesco para sua estreia, foi outra alvirrubra a casa de Mauro. Em 1999, o carnavalesco começou uma bem sucedida parceria com a Academia do Samba em uma homenagem aos 400 anos da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Batizado de “O Salgueiro é sol e sal nos quatrocentos anos de Natal”, o enredo de Mauro teve auxilio de Luis Fernando Abreu para desenvolver o tema sobre a capital nordestina.

Abre-alas do desfile de 1999 (Foto: Widger Frota)

Na quarta escola a desfilar no domingo de carnaval, o artista deu um salto no que vinha desenvolvendo até então. Continuando “em casa” com o uso dos tons quentes, as fantasias grandiosas formaram um lindo tapete, aproveitando de maneira intensa as cores da agremiação. O abre-alas iniciou o cortejo de maneira impactante, com destaques para o letreiro trazendo o nome da escola. O uso desse artifício seria outra aposta corriqueira de Quintaes, em diferentes passagens de sua trajetória. Depois de alegorias mais compactas, o carnavalesco apostou em carro maiores e mais encorpados.

Apesar da boa plástica, problemas de evolução causados por um enorme contingente atrapalharam uma melhor apresentação da escola, que desfilou no melhor estilo “São Silveste”, como conhecemos bem. Apesar disso, a quarta de cinzas trouxe um quinto lugar honroso, que estendeu o início deste casamento por mais um ano.

Abertura do desfile de 2000.
Em 2000, com a obrigatoriedade de contar os 500 anos do descobrimento da Terra Brasilis, coube por sorteio à agremiação passear pela transferência da corte portuguesa em “Sou rei, sou Salgueiro, meu reinado é brasileiro”. Numa apresentação cercada de expectativa, o carnavalesco deu conta mais uma vez do recado, apostando em um bom conjunto alegórico, como já era característico.

Os carros chamaram atenção não só pela beleza, mas por marcarem a sequência de uma proposta mais grandiosa do carnavalesco, sem perder sua assinatura clean. Como já havia acontecido, um dos destaques foi o carro assimétrico do conjunto daquele ano, que representava a Missão Artística Francesa de maneira impactante. Outra marca do artista apareceu na última alegoria que, assim como em outros anos, apostou no neon e uma inspiração “high-tech”, para representar uma futurista caravela.

A nave futurista que encerrou o desfile de 2000. (Foto: Widger Frota)

Nas fantasias, muitas plumas foram vistas, em uma bela paleta de cores, mas sem trazer dificuldades de evolução pelo peso das vestes. Apesar das qualidades plásticas, a escola, novamente muito inchada, desfilou com o incrível número de 5.500 componentes e teve que apertar o passo para cruzar o fim da Marquês a tempo. Apesar de aclamado pelo público ao fim da boa apresentação, o Salgueiro conquistou uma modesta sexta colocação. 

Para 2001, uma ajudinha de cerca de R$ 1 milhão do Mato Grosso do Sul foi bem-vinda em outro passeio geográfico dessa parceria. Com “Salgueiro no Mar de Xarayés, é Pantanal, é Carnaval”, a ideia do carnavalesco foi tentar sair do lugar comum de mostrar apenas a natureza local e abordar também a cultura do Centro-Oeste. A divisão do desfile começou com a representação do mar de Xarayés do título, que nada mais era o nome pelos quais os índios chamavam a região, passando depois pelos guaicurus e incas, pelo folclore e o artesanato.

Abertura da apresentação de 2001 (Foto LIESA)

Mesmo imaginando-se que as cores típicas da natureza predominariam, Mauro soube combiná-las muito bem ao vermelho e branco da Academia. Mais uma vez, se destacou o abre-alas projetado pelo profissional, com um grande tuiuiú, evidenciado por uma iluminação intensa e de formas vazadas. Para completar, lindos infláveis formavam as “costas” do carro. Mesmo com uma apresentação menos explosiva da comunidade, a Academia foi bem na apuração e conquistou o quarto do grupo especial, seu melhor resultado nos último anos e a melhor marca da carreira de Mauro desde sua estreia. 

Voando rumo a posições mais ambiciosas, em 2002, mais uma patrocínio generoso chegou para a agremiação, desta vez da TAM, para o desenvolvimento de “Asas de um sonho. Viajando com o Salgueiro, o orgulho de ser brasileiro”, sobre a relação do homem com o desejo de voar. O desfile contaria a história dos pioneiros da aviação e seria uma homenagem ao comandante Rolim Amaro, que falecera pouco tempo antes.

(Foto: Widger Frota)

O enredo marcaria a estreia da parceria do artista com João Gustavo Melo, enredista que assinaria a maioria das narrativas de Quintaes a partir dali e daria personalidade aos temas do artista. Diferentemente de outros nomes, Mauro se caracteriza por ser um carnavalesco menos ligado ao desenvolvimento do enredo e sua importância narrativa, mas soube aglutinar um profissional importante que cumpriu essa função.

Voltando ao desfile, o abre-alas gigante também chamou atenção, como de costume, mas sem o brilho de antes. O conjunto alegórico e a paleta de cores passaram muito bem novamente, abusando mais uma vez no neon no carro da “Odisseia Espacial”.

A alegoria sobre a navegação especial. (Foto: Widger Frota)

Aliado a estética, menos inspirada que os anos anteriores, o samba-enredo também não empolgou e o passo acelerado dos componentes, que já havia virado tradição, prejudicaram o cortejo de maneira considerável. Correta, mas sem brilho, a apresentação conquistou um justo sexto lugar, marcando a despedida de Mauro da Academia do Samba. 

Viradouro 2003-2005


Não abandonado o vermelho e branco, Mauro atravessou a Ponte Rio-Niterói para assinar a terceira alvirrubra seguida em sua carreira. Voltando como artista principal para a escola que ajudou a trazer para o Especial década antes, o artista apostou num enredo que cairia como um luva para um carnavalesco marcado pelos carros cenográficos: o teatro.

(Foto: Widger Frota)

A arte da atuação foi celebrada por uma de suas mais ilustres figuras: Bibi Ferreira. O enredo atravessou a grande carreira da atriz, lembrando seus papéis mais marcantes até uma homenagem a Procópio Ferreira, importante figura da cena teatral e pai da homenageada. Com experiência avançada em aliar o vermelho e branco, Quintaes mais uma vez brincou com a combinação no tapete da escola.

Abusando da pegada teatral, os carros voltaram a investir em um tamanho mais compacto e com aspecto cênico, dentro do enredo. Sempre apostando na abertura como um grande momento, o luxuoso abre-alas dourado representou o musical “O Avarento”, que apesar do barroco, não perdeu a limpeza sem excessos, característica do traço do artista nas alegorias. A alegoria em si marca uma boa síntese do estilo desenvolvido por Mauro nesse momento da festa, que ainda vivia os ecos do embate entre Rosa Magalhães e Renato Lage nos anos 90, onde os estilos batizados genericamente de “rococó” e “high-tech” se enfrentavam. Nessa dicotomia posta, Mauro foi um dos grandes nomes a misturar as duas vertentes de maneira inteligente, mesmo que às vezes ficasse uma nítida afinidade maior ao estilo do ex-carnavalesco da Mocidade. Quintaes sabia dosar um estética mais barroca quando o enredo pedia, sem perder a mão, como foi no caso do carro que abriu a apresentação daquele ano. 

A  alegoria que encerrou o desfile da Viradouro. (Foto: Andrei S)

Foi exatamente essa capacidade de mesclar os dois artistas mais importante da década passada que fez de Mauro um dos principais carnavalescos em atividade naquela início de século, se mantendo atualíssimo e original. Além disso, a Viradouro ainda contava com um super time, formado pelo grande Dominguinhos do Estácio, que defendeu muito bem o belo e poético samba daquele ano, e a bateria excelente de Mestre Ciça, já se destacando pelas bossas originais. Com tantos atributos, a Viradouro fez uma das grandes e memoráveis apresentações do ano, merecendo bem mais que o sexto lugar conquistado no resultado final.

O círio de Nazaré de 2004. (Foto: Widger Frota)

No ano seguinte, a sequência de bons carnavais continuou ao prestar uma homenagem ao Círio de Nazaré. A ideia original era fazer um novo samba-enredo sobre uma das maiores manifestações religiosas do mundo, mas a disputa musical foi cancelada em plena atividade. Com a liberação da LIESA para as reedições, a Viradouro foi um das agremiações a apostar na medida, trazendo de volta a obra de Dário Marciano, Nilo Mendes e Aderbal Moreira, apresentada pela Unidos de São Carlos, em 1976. Assim, o desfile ampliou a obra musical, abordando além da romaria, as lendas e a cultura paraense em “Pedi pra Pará Parou, com a Viradouro eu vou pro Círio de Nazaré”.
O desfile começou já emocionante com uma abertura de efeito, em que se destacou a belíssima coreografia de Déborah Colker para a comissão de frente, que trouxe elementos tradicionais como a famosa “corda” de maneira ressignificada. Logo depois, uma ala trouxe um grande contingente simulando uma enorme procissão de maneira singela, arrancando aplausos da Sapucaí. O talento de Mauro em aliar o barroco e o moderno, mais uma vez, se destacou, como no segundo carro da escola, que trouxe a Catedral da Sé em uma cenografia de escadas que trazia o esplendor barroco dourado da igreja através de uma luz neon amarela.

A moderna alegoria que lembrava uma igreja barroca. 

Num dos melhores conjunto alegóricos de sua carreira, o artista apresentou suas características já tradicionais em outras lindíssimas alegorias. Um dos destaques foi a representação do Arraial, que não trouxe os tradicionais “queijos” para as composições, mas uma arquitetura bem traçada, abusando da iluminação. O carnavalesco soube, ainda, driblar muito muito bem a proibição do uso de imagens sacras que havia na época. Finalizando o conjunto plástico, as fantasias de muito bom gosto apostaram em formas volumosas e grandes golas. Credenciado ao título, o desfile marcou o ápice do casamento entre escola e carnavalesco, conquistando um quarto lugar.

Após duas excelentes apresentações, a relação entre a agremiação de Niterói e o profissional se encerrou em 2005, com um desfile complicado e marcado por falhas, contrariando o enredo “A Viradouro é Sorriso”. A apresentação sobre o sorriso teve como o ponto alto, novamente, a abertura, com a excelente comissão de frente assinada por Colker, e um grande sapato de palhaço alegórico, que completava a “cabeça da escola” no lindo abre-alas.

A abertura da Viradouro em 2005. (Foto: Widger Frota)

O letreiro característico de Mauro veio, nesse ano, em uma boa e original solução, formado por composições à frente da primeira alegoria. Infelizmente, falhas mecânicas impediram o segundo carro de adentrar a pista, desfalcando a apresentação. Apesar de bem vestida e com alegorias divertidas, como a que trazia o sorriso de Monalisa em diversos estilos artísticos, a escola não foi bem, já que a falha técnica acabou influenciando vários quesitos, fazendo a escola da Cidade Sorriso conquistar apenar um oitavo lugar, bem abaixo das expectativas do pré-carnaval.

São Clemente 2008-2010

Depois de breves passagens pela Mocidade e Rocinha, Mauro vestiu as cores da escola da Zona Sul para comemorar os 200 anos da chegada da Família Real portuguesa ao Rio de Janeiro, se juntando aos carnavalescos Milton Cunha e Fábio Santos na missão de fazer a São Clemente permanecer na elite após a vitória no acesso. O enredo “O Clemente João VI no Rio: a redescoberta do Brasil…” contou os feitos do monarca em terras cariocas a partir da visão de Dona Maria I, a Louca, de maneira irreverente e bem humorada.

O desfile da São Clemente de 2008. (Foto: Widger Frota)

O casamento de Quintaes com outros artistas resultou em alegorias mais carregadas e com uma volumetria maior do que o tradicional traço arrojado do artista. O desfile contou com altos e baixos e, apesar do rebaixamento, Mauro seguiu nas bandas de Botafogo para 2009, para uma homenagem a Benjamin de Oliveira, primeiro palhaço negro. A escola entrou atrasada na Avenida, mas conseguiu se apresentar bem. E mesmo no acesso, o estilo cênico de Quintaes se destacou numa apresentação leve e bem desenvolvida plasticamente, que aliou as cores tradicionais da agremiação a tons de vermelho, laranja e até mesmo o dourado, que coloriram elementos circenses.

O desfile da São Clemente em 2009. (Foto: Widger Frota)
No ano seguinte, o enredo “Choque de Ordem na Folia” trouxe de volta os marcantes ares críticos da agremiação, lembrando o inesquecível “E o samba sambou…” ao apontar o dedo para tanta “desordem” no carnaval. Atualíssimo à época, o enredo usou como mote o programa que marcou o mandato de Eduardo Paes, como prefeito do Rio de Janeiro. Com um samba muito agradável, a escola começou numa crítica social e de costumes, até chegar aos rumos que a folia carioca tomava.

Foto: O Globo

Do conjunto, a segunda alegoria com um simpático gato, que fazia referência a gíria que significa roubo de energia, se destacou. Com um desfile simples, cênico e bem humorado, a escola fez uma grande apresentação. No final da quarta-feira de cinzas, apenas um envelope reservou uma nota diferente de dez e a escola retornou ao grupo especial, onde se mantém até hoje. Ali, chegava ao fim mais um casamento, e Mauro, com uma grande oportunidade, rumaria para a Zona Norte para representar outra escola tradicionalíssima: a Mangueira.

Unidos da Tijuca 2015-2017

Depois de três carnavais fora da elite carioca, com passagens por Império Serrano e a União do Parque Curicica, o carnavalesco chegou à Unidos da Tijuca integrando a comissão de carnaval que tinha a difícil missão de substituir Paulo Barros após três títulos na azul e amarelo. Mauro foi o único nome “de fora” da agremiação a formar o time, que promoveu profissionais que já trabalhavam nos barracões tijucanos, como o ferreiro Hélcio Paim, a desenhista Annik Salmon e o aderecista Marcus Paulo.

A abertura do enredo sobre a Suíça.

Com o time definido, a escola optou por um enredo CEP sobre a Suíça, onde Clóvis Bornay conduziria os foliões por uma viagem encantada a partir das histórias que seu pai, nascido no país, contava. A narrativa passeou pelo chocolate, dragões, o relógio e os gelados alpes. Dando nova personalidade, a comissão soube incorporar o estilo de Barros com alegorias humanas e coreográficas, somadas a fantasias criativas e bem acabadas. O destaque ficou por conta das belas baianas, que representavam a neve, todas de branco e prateado. Na apuração, a escola conseguiu um quarto lugar, se mantendo à frente da Mocidade, escola de Paulo Barros à época, que terminou em sétimo. 

Letreiros: uma das marcas dos abre-alas de Quintaes. (Foto: Widger Frota)

Ainda brincando com o atlas, Mauro e a Unidos da Tijuca seguiram viagem novamente, agora mais perto, no interior do Mato Grosso, para contar a história de Sorriso, capital do agronegócio. Com um samba inspirado, a escola cantou a lida sertaneja, o solo que trazia a fertilidade e a prosperidade do homem do campo. O desfile começou impactante, num bem resolvido abre-alas que apostou em tons terrosos, relacionando o surgimento da vida com o barro. As alegorias apresentaram o enredo de maneira leve e as fantasias cumpriram bem seu papel. Impecável nos quesitos de pista, a azul e amarela terminou brindada com um vice-campeonato, melhor resultado da carreira de Mauro.

Foto: O Globo.
Com um bom momento depois do vice-campeonato, a Unidos da Tijuca resolveu homenagear a música norte-americana a partir da comemoração dos cinquenta anos do encontro de Pixinguinha e Louis Armstrong, no enredo “Música na alma, inspiração de uma nação”. Os dois músicos seriam os condutores do enredo que passaria dos cantos dos lamentos dos cativos antes da libertação até o jazz e os fenômenos atuais da música estadunidense.

Entretanto, a agremiação, por um triste infortúnio, se viu protagonista de uma das mais lamentáveis cenas do carnaval carioca em todos os seus anos: uma alegoria desabou em plena Avenida e alguns desfilantes ficaram machucados. O desfile, inexplicavelmente, continuou depois da prestação de socorro e a escola se viu desnorteada. O que se decidiu na quarta de cinzas foi que o rebaixamento estava cancelado e, mesmo se não estivesse, a escola terminaria em décimo primeiro lugar. Em uma situação desgastante com tantos trâmites e investigações após o acidente, a escola se viu abalada e teve de buscar se reestruturar, o que custou a permanência de alguns profissionais, inclusive a de Quintaes, que encerraria ali a sua passagem pela escola do Borel.

(Foto: Widger Frota)

Afastado do grupo especial carioca desde então, Mauro Quintaes encontrou espaço para expressar sua arte do lado de lá da ponte aérea. Construindo uma carreira no Anhembi, com passagens por Gaviões da Fiel, Tom Maior e Unidos do Peruche. Para 2019, inicia uma parceria com a Dragões da Real, escola em ascensão que busca seu primeiro título. O enredo escolhido é “A invenção do tempo. Uma odisseia em 65 minutos”.

De estilo próprio e bem marcado, o carnavalesco desenhou uma trajetória importante para a folia brasileira, ao aliar bom gosto e modernidade. Destacado pela personalidade arrojada de suas alegorias, Quintaes fugiu do barroco exagerado convencional, se tornando nome importante da festa até meados do anos 2000. Mesmo que tenha perdido a força em apresentações medianas, vale a reverência a este grande nome na nossa série.

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