#SérieEnredos: Abre o xirê! Enredos sobre a magia dos orixás

Por Beatriz Freire e Leonardo Antan
A “Série Enredos” dominará o site durante o mês de maio, com textos novos às quartas e sextas.

Foto: Fernando Grilli/Riotur
Sempre bem quistos no carnaval, os enredos de temática “afro” se tornaram garantia de bons sambas, com pegada e força para embalar um bom desfile. Historicamente ligadas às religiões afro-brasileiras, as escolas de samba demoraram a levar esta temática de fato para suas apresentações. A forte negociação com o poder público acabou por fazer as agremiações cantarem a história oficial branca durante muito tempo. Por isso, foi apenas em 1966 que o nome de um orixá apareceu num samba-enredo pela primeira vez, quando a São Clemente e o Império Serrano inseriram “Iemanjá” em suas letras. 
Louvando as temáticas de raízes africanas, preparamos essa lista cheia de axé, focando nos enredos biográficos dos orixás, que se tornaram muitos comuns na Série A nos últimos anos, mas que já foram contados há décadas. Então, prepare o terreiro e vem com a gente nesse xirê.

Arranco 1977 – Logun, príncipe de Efan

Foi só em 1977 que se registrou o primeiro samba-enredo biográfico sobre um orixá afro-brasileiro, segundo o livro “Samba de Enredo: história e arte”, de Luiz Antônio Simas e Alberto Mussa. A história se torna ainda mais curiosa por se tratar de uma das divindades menos conhecidas em terras brasileiras. 
Logunedé, que significa feiticeiro de Edé, é o filho de Oxóssi e Oxum, nasceu no gênero masculino mas ganhou o poder de se transformar para o feminino. Na versão cantada pela azul e branco do Engenho de Dentro, Logun seria um bastardo condenado após a morte de Xangô, marido da deusa das águas doces. O obra tem uma belíssima letra e garantiu não só um honroso vice-campeonato para a agremiação na segunda divisão da folia carioca, como também o Estandarte de Ouro de melhor samba do grupo naquele ano. 

Imperatriz 1979 – Oxumaré, a Lenda do Arco-íris

Dois anos depois, finalmente, um orixá teve sua história contada numa escola do primeiro grupo. E esse suposto pioneirismo aconteceu por uma escola inusitada, a Imperatriz Leopoldinense, que é pouco ligada historicamente a temas “afro”. A Rainha de Ramos levou para a Avenida “Oxumarê, a Lenda do Arco-íris”, um enredo que tinha como figura principal um dos mais conhecidos orixás, simbolizado pelo arco-íris e por uma grande serpente, que liga os reinos de Orun e Ayê (terra e céu)
O desfile trouxe os príncipes africanos em sua comissão de frente, moças e alas nas sete cores do arco-íris e, claro, a roda da fortuna de Oxumarê, já que o intuito era trazer a lenda do arco-íris sob a perspectiva da tradição afro no Brasil. No final, o resultado conferiu à escola um sétimo lugar e a Avenida reverenciou as cores do majestoso orixá! Arroboboi!

Império da Tijuca 2015 – O Império nas águas doces de Oxum 

Fonte: G1

Dando um grande salto no tempo, desembarcamos no Morro da Formiga, que logo após a ligeira passagem pelo grupo especial levou à Sapucaí toda a riqueza, beleza e fertilidade de Oxum, mãe do ouro, da beleza e dos amores. O enredo, desenvolvido por Junior Pernambucano, foi batizado de “O Império nas Águas Doces de Oxum”. A trajetória da iabá começa em seu nascimento no ventre de Odudúa e passa por suas águas doces, símbolo da fertilidade, onde reina soberana e dança com seu abebê encantado, sempre formosa e discreta. 
A rainha das águas doces foi representada por Érika Januza no desfile oficial e a escola, no fim das contas, conquistou um modesto sexto lugar no seu primeiro ano de volta à Série A, mas encantou com majestosa passagem, digna da homenageada. Ora, ieie ô! Salve Oxum!

Alegria da Zona Sul 2016 – Ogum

Foto: Widger Frota

Ogum é um dos orixás masculinos mais difundidos no imaginário brasileiro, talvez por seu forte sincretismo com santos igualmente muito cultuados. No Sudeste, possui forte ligação com o popular São Jorge, enquanto na região Nordeste, com Santo Antônio. Ogum é o orixá guerreiro, senhor do ferro, da guerra, da agricultura e da tecnologia. Era ele mesmo quem forjava suas ferramentas, tanto para a caça, quanto para a agricultura e para as batalhas.
A história do orixá foi narrada pela Alegria da Zona Sul em 2016, assinada pelo carnavalesco Marco Antônio Falleiros, passando desde a origem do guerreiro até toda sua atuação entre Orun e Ayê, terminando, obviamente, com sua ligação ao santo guerreiro católico. Com um desfile agradável, que se destacou pelo samba valente e forte, a vermelho e branco da Zona Sul terminou na modesta décima posição. Ogunhê!

Renascer de Jacarepaguá 2016 – Ibejís, nas brincadeiras de crianças: Os orixás que viraram santos no Brasil.

Foto: G1
Os Ibejis são entidades pouco conhecidas, mas que no Brasil ganharam novas proporções com o desenvolvimento do sincretismo afro-católico. As divindades gêmeas foram aglutinadas na figura de São Cosme e Damião, num complexo e fascinante processo de troca cultural. A mistura acabou por fazer do Brasil um dos poucos lugares do mundo onde os santos católicos são representados com feições infantis, sem ainda falar na inclusão de Doum nessa mistura boa, mais fortemente na umbanda. 
Toda essa relação complexa de troca e negociação entre as culturas europeias e africanas foi contada na apresentação da Renascer de Jacarepaguá em 2016, no desfile assinado por Jorge Caribé, que possui reconhecida experiência na temática. O desfile foi leve e empolgante, como pedia a temática, embalado por um samba leve, encomendado a grandes compositores: Moacyr Luz, Cláudio Russo e Teresa Cristina, no modelo que a vermelho e branco segue desde 2014.

Unidos de Padre Miguel 2017 – Ossain, o poder da cura 

Foto: Riotur

Um dos carnavais recentes mais marcantes contando a história de um orixá foi o desenvolvido pela Unidos de Padre Miguel em 2017. A escola, que tem se fixado pela estética afro, optou por louvar um membro pouco difundido do panteão africano. Ossain é orixá ligado às folhas, à cura e à força da floresta, e, embora fundamental, acabou se tornando pouco difundido pelos terreiros brasileiros. 
O desfile maravilhoso foi o último do bem-sucedido casamento da escola de Padre Miguel com Edson Pereira, apostando em grandes esculturas e alegorias monumentais muito bem elaboradas. Apesar de toda a beleza e força, é impossível esquecer do trágico incidente que marcou a apresentação: a queda da primeira porta-bandeira que acarretou na torção de sua perna, durante sua dança para o módulo duplo – já extinto – de julgadores. Vale lembrar que o orixá é, por vezes, representado exatamente com apenas uma perna só. Arrepiante!

 Império da Tijuca 2018 – Olubajé: um banquete para o rei 

Última alegoria do Imperinho do desfile de 2018 (Foto: Carnavalesco)

Atotô! 2018 marcou o primeiro ano da escola da Tijuca após o seu longo e bem sucedido casamento com o carnavalesco Junior Pernambucano, especialmente ligado aos grandes desfiles com temática afro. Mas mesmo com a saída do artista, o Morro da Formiga se apresentou apostando na magia dos orixás, sob comando de Sandro Gomes e Jorge Caribé. 
“Olubajé, um Banquete para o Rei” foi o enredo que saudou Olubajé com uma grande homenagem, desde o seu nascimento, passando pela transformação em um bom caçador e encerrando com um lindo banquete em plena Sapucaí, com, claro, banho de pipoca no final! A estética da agremiação surpreendeu por sua beleza e força, contando o enredo de maneira digna e com um grande samba composto por uma parceira encabeçada por Samir Trindade. 
Foto: Rádio Arquibancada
Apesar de um discurso que critica os enredos sobre as macumbas brasileiras por sua repetição temática e visual, em alguns casos, é sempre importante as escolas de samba reafirmarem suas raízes africanas, sobretudo num cenário intolerante e segregador. Mas sem nunca deixar de procurar novas soluções estéticas e narrativas para temas já conhecidos por parte do público. Nós que adoramos um xirê estamos sempre preparados para incorporar na avenida e ver ainda muitos orixás sendo celebrados na Sapucaí! Axé! 

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