#SérieEnredos: Passaporte carimbado! Oito desfiles com CEPs internacionais

Por Leonardo Antan e Felipe Tinoco

A “Série Enredos” tá dominando o site no mês de maio, com textos novos sempre às quartas e sextas. Fique ligado!

Passaportes na mão? Depois de viajar pelo Nordeste na semana passada, resolvemos alçar voos mais longe desta vez, percorrendo os principais continentes através do olhar das nossas escolas. Foi só em 1997 que a regra que proibia temas estrangeiros acabou. O fim da norma, que dificultava a abordagem de temas não-nacionais, deu mais liberdade para as agremiações viajarem em temas de fora do Brasil.

Junto a isso, com a chegada dos anos 2000, veio a onda de enredos CEP patrocinados, então as agremiações começaram não só a viajar pelas cidades brasileiras mais inusitadas, mas também pelos mais variados cantos do mundo. É uma tendência tão recente que todos os desfiles da lista são apenas dos últimos quinze anos. Por isso, são apresentações que quase todo mundo lembra. Vem viajar com a gente! 

França – Grande Rio 2009 e Vai Vai 2016

Reprodução site Liesa

Nossa alma é tricolor? O Brasil tem uma relação conturbada com a França, principalmente pelo Rio de Janeiro, mas é inegável o valor e a influência cultural francesa em nossa história. Um país tão rico culturalmente daria um grande enredo, né? E já deu dois, na Sapucaí e no Anhembi. Primeiro, a Grande Rio levou um grande homenagem ao país no ano da “França no Brasil”, que incluía uma série de homenagens e aproximações entre as duas nações.

O enredo se focou nesse diálogo entre aqui e lá, viajando pela invasão de Villegagnon, as influências da Revolução Francesa e o carnaval de Nice. A apresentação assinada por Cahê Rodrigues em seu ano de estreia na tricolor de Caxias garantiu a quinta posição para a escola. Anos depois, o país ganhou o Anhembi com o desfile da tradicional Vai Vai, com enredo assinado pela consagrada dupla de carnavalescos Renato e Márcia Lage, que apresentaram os aspectos mais conhecidos do país. 

América Latina – Vila Isabel 2006

Para bailar la bamba! E nessa viagem por terras estrangeiras, vale uma passada pelos nossos hermanos, não é mesmo? Com uma polpuda verba da estatal petrolífera venezuelana PDVSA (R$ 900 mil à época, segundo consta), o carnavalesco Alexandre Louzada desenvolveu uma excelente viagem sobre os diferentes aspectos culturais que formam a América Latina no geral, desde as civilizações pré-colombianas passando pela exploração espanhola até os dias de hoje.

A apresentação foi embalada por um samba mediano, mas defendido com garra por Tinga e a comunidade de Noel. Recém subida do acesso, a Vila Isabel surpreendeu a todos, com um grande trabalho estético de Louzada e a força da apresentação, que acabou credenciando a azul e branco para o título. Numa apuração eletrizante, a agremiação acabou superando a sua principal rival, Grande Rio, que perdeu décimos preciosos depois de estourar o tempo.


África do Sul – Porto da Pedra 2007

O continente africano é sempre cantado num sentido abrangente e reducionista. Apesar de ser visto como um lugar homogêneo, a África é exatamente um continente com uma rica diversidade de países e culturas. Poucas narrativas com a alcunha de “enredo afro” desmistificam essa visão, como é o caso do enredo da Porto da Pedra em 2007, que escolheu fazer um recorte da região por país.

O enredo de Milton Cunha contou a história da África do Sul contra o preconceito e a colonização inglesa, marcada pelo terrível “apartheid”. A figura fundamental de Nelson Mandela e sua luta contra repressão também ganhou destaque. O enredo explorou ainda os aspectos sociais do país, além da Copa do Mundo que o país sediou, em 2010. Tudo isso ganhou ainda mais emoção com um samba-enredo poético e que sintetizava muito bem a história. Pena a plástica de Milton não ter surtido o efeito esperado, mas mesmo assim, não tira o brilho dos bons momentos da apresentação do Tigre.


México – Viradouro 2010

Foto: Wallace Teixeira | Riotur 

Outro desfile que cantou a latinidade foi o da Viradouro. Com uma tequila e um sombreiro na mão, a vermelho e branco cantou o México e suas cores. Assinado por Edson Pereira e Junior Schall, o enredo lembrou diversas marcas históricas do país, exaltando sua rica cultura, sua fé, seus temperos, o processo de independência, a relação do seu povo com a morte e as figuras de Diego Rivera e Frida Kahlo.

A passagem da agremiação, no entanto, foi marcada por diversos problemas estéticos, e a escola acabou ficando com a posição mais baixa na apuração, caindo para o grupo de acesso. Até o carnaval de 2018, o ano de 2010 foi o último em que a agremiação que subiu – à época, União da Ilha – não ficou em último lugar. 

Angola – Vila Isabel 2012

Foto: O Globo

Voltando ao continente africano, outra narrativa não-totalizante da região veio pelas mãos de ninguém menos que Rosa Magalhães, carnavalesca pouco associada às temáticas negras. Com mais um enredo extremamente inspirado, a azul e branco mostrou que Brasil e Angola também estão ligados pela música, pela religiosidade e pelas demais heranças que transitam na negritude, proporcionada pelo tráfico de escravos, extremamente forte entre os portos de Luanda e do Rio de Janeiro.

A carnavalesca optou pelo uso de diversas estamparias do país homenageado, abrindo o carnaval com a riqueza natural da fauna e flora angolanas – lindamente retratadas em uma inesquecível comissão de frente – e fechando o desfile com o ícone comum dos dois países: Martinho da Vila. O compositor é considerado Embaixador Cultural do Brasil no país africano e realizou uma ponte musical relevante entre as duas nações, disseminando a música brasileira em Angola e a música angolana no Brasil. A agremiação, com um excelente samba-enredo, foi a última a desfilar no domingo de carnaval, saindo aclamada por crítica e público, conquistando o terceiro lugar daquele ano, além de seis prêmios do Estandarte de Ouro – inclusive para desfile, enredo e personalidade para Rosa Magalhães.  


Suíça – Unidos da Tijuca 2015

Foto: Christophe Simon 
Uma escola que tem pontos altos no programa de milhagem é a Unidos da Tijuca. Na onda dos enredos CEP, o povo do Borel encheu o pote como pôde, passeando não só pelo Brasil como pelo mundo diversas vezes. Um dos casos mais curiosos foi o da Suíça, afinal, quem diria que um país tão distante culturalmente poderia dar um bom enredo?

Foi o primeiro carnaval da Comissão formada após a saída de Paulo Barros, que ajudou a conquistar três títulos para o Borel. O enredo fez um passeio burocrático sobre a cultura e história da região homenageada, no melhor estilo atlas e guia de turismo. Numa tentativa de ligação com o Brasil, a narrativa ganhou o fio condutor de Clóvis Bornay, que tinha relação com o país através de seu pai. O samba não empolgou tanto, mas a plástica foi competente e faturou um ótimo quarto lugar para a azul e amarelo naquele ano. 

Marrocos – Mocidade 2017

Foto: Jornal Extra

Pra lá de Marrakesh! A Mocidade embarcou para o norte da África no carnaval de 2017 e homenageou Marrocos, sua gente, suas histórias e seus hábitos. A princípio com uma confusa sinopse e sem grande expectativa do público, a escola acabou surpreendendo a Sapucaí e realizou um belo desfile sendo tocado por um grande samba-enredo.

A comissão de frente de Jorge Teixeira e Saulo Finelon, feito um teatro de ilusão, foi um dos grandes trunfos e encantou a todos com a perseguição a Aladdin e seu tapete mágico, que sobrevoou a Avenida com um drone. O enredo foi um pouco criticado por não exatamente tratar do Marrocos, mas propor uma grande mistura de elementos famosos da cultura árabe, o que acabou dando tom mais familiar e lúdico ao tema. O último carro encerou o carnaval com uma miragem em que o “Saara de cá” – a bateria Não Existe Mais Quente – se encontra com o deserto do “Saara de lá”, sob a batucada do tambor de Xangô. Como propõe o lindo samba que acabou guiando o desfile da Estrela Guia, o orixá conheceu Alah e a Mocidade terminou a quarta-feira de cinzas com um grandioso vice-campeonato, mas se sagrou campeã do carnaval ao lado da Portela após a divulgação das justificativas e uma polêmica divisão do título.

China – Império Serrano 2018

Foto: Fernando Grilli/Riotur

Terminando nossa viagem, partindo rumo ao Oriente, chegamos no Império Serrano que escolheu homenagear a China após um período de oito anos distante da elite. O tema foi trabalhado pelo carnavalesco Fábio Ricardo e a agremiação desenvolveu uma proposta linear para exaltar a região. A imponência dos dragões chineses dourados abriram o desfile da agremiação, que contou com os leques, a flor de lótus, os signos religiosos, os mercados, a seda, as festas místicas, o Kung Fu Panda e outros elementos que são facilmente relacionados ao país.

Ainda que possuísse um simples porém aguerrido samba, o enredo cometeu equívocos, como a associação da Muralha da China às sete maravilhas do mundo antigo, e o Império sofreu com problemas de evolução e dificuldades estruturais e políticas no retorno ao Grupo Especial. O Reizinho de Madureira, entretanto, acabou beneficiado após a virada de mesa orquestrada pela Grande Rio, e continuará a desfilar no principal coletivo de escolas de samba em 2019.

Procuramos fazer uma viagem bem abrangente pelas mais variadas regiões do globo e seus continentes contados por diferentes agremiações. Obviamente algumas apresentações ficaram de fora, mas criamos uma playlist para quem ficou com gostinho de quero mais! Assim, sem sair do lugar, vamos conseguir ir a outros inúmeros destinos internacionais do roteiro carnavalesco:

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