#SérieSambas: 7 sambas antológicos do carnaval paulistano

Por Alisson Valério e Leonardo Antan

A #SérieSambas faz um passeio pelo universo do gênero que embala os desfiles das escolas, desdes os clássicos, passando pelos grandes intérpretes e compositores. Os textos saem sempre as segundas e quintas de outubro. Fique ligado!

Voltar no tempo e recordar grandes sambas que marcaram a história no samba paulistano é sempre um prazer, mas pode ser também uma nova oportunidade para conhecer e se apaixonar por canções que você talvez nunca tenha ouvido ou não saiba da existência, mas não ficam devendo em nada em poesia e beleza. O interesse pelo carnaval de São Paulo cresce a cada ano, mas pouco se conhece ainda sobre a história dos desfiles da Terra da Garoa, suas apresentações e sambas mais marcantes antes da virada do século XXI. 
Como a gente espera que todo mundo já tenha aprendido que São Paulo faz samba também, e muito bem, a gente separou uma lista de sambas clássicos e belíssimos da folia desde antes do Anhembi. Vamos passear por sambas de diferentes escolas, anos, enredos, estilos e muito mais. E aí, será que você conhece todos os sambas desse texto?  Se não conhece, venha em São Paulo para ver…

Colorado do Brás 1988 – Quilombo Catopés do Milho Verde

Me abraça e faz as peles mais unidas 
Que beleza
Não criou raça, 
Deus apenas criou vidas”

“Quilombo espalhou suas raízes, e fez sua semente germinar, em ricas terras mineiras, do milho verde vem o canto pelo ar…” Se no Rio de Janeiro, o centenário da suposta “abolição da escravatura” rendeu obras também inesquecíveis, em São Paulo não foi diferente. Se por si só, enredos sobre a história do povo africano já apresentam uma força peculiar por toda a história vivida por eles, imagine num ano especial como esse. 
A trajetória de luta por liberdade e sofrimento pelo simples fato de ser diferente do que se julgava ser normal na época (e infelizmente até nos dias de hoje) é uma mancha na história desse país, mas se tem algo que esse samba conseguiu imprimir é a felicidade do povo negro em forma de letra e melodia. Porque sim, apesar de todo sofrimento vivido eles, nunca perderam essa essência de ser felizes, de cantar, dançar e de manter viva a esperança de dias melhores. A letra dessa obra composta por Dom Marcos, Edinho, Rona Gonzaguinha e Xixa passeia de maneira emocionante pelo movimento da diáspora, trazendo o cotidiano dos escravos na plantação e sua resistência através das manifestações culturais, fazendo por fim um clamor pelo fim do preconceito.

Rosas de Ouro 1992 – “Non Ducor Duco”, qual é a minha cara?

“Meu sabiá, ô ô ô ô 
Soltou o trinar, cantou, cantou
Deu um show na passarela
Levantou a galera
Bateu asas e voou…”
“Bom é recordar, bom demais.” Assim se inicia um dos sambas mais especiais e tradicionais da Sociedade Rosas de Ouro em sua história no carnaval paulistano. O enredo em homenagem a São Paulo, especialidade da casa nessa época, embalou um dos principais e mais lembrados títulos da agremiação. O samba tem toda uma cadência especial ao falar da capital, contando o enredo em forma de uma declaração de amor ao seu lugar, relembrando a nostalgia de coisas que se perderam no processo de evolução da cidade, de pequeno vilarejo a uma das maiores cidades do país.
A letre, composta por João do Violão e Miltinho, passeia ainda pelos principais logadouros do lugar, tendo tom crítico ao já avisar da poluição que atingia a metrópole, tanto no verso “o ar, cadê meu ar?” e idealizando um futuro melhor para o famoso rio da cidade: “Tietê, quero um dia beber você“. Toda a bela poesia foi entoada por uma performance marcante de Royce do Cavaco, o sabiá da Roseira. O sabiá deu um show na passarela, levantou a galera, bateu asas e voou para um lugar especial na memória do sambista….    

Gaviões da Fiel 1995 – Coisa boa é para sempre

Me dê a mão, me abraça
Viaja comigo pro céu 
Sou gavião, levanto a taça
Com muito orgulho pra delírio da Fiel

Você achou que São Paulo não tinha o seu “Ita”? No melhor estilo de animação e empolgação do lendário hino salgueirense, lhes apresentamos um dos maiores sucessos do carnaval de São Paulo.  É um daqueles sambas que caíram no gosto popular de cara, se tornando famoso antes mesmo do carnaval, sendo cantado pela arquibancada antes, durante e depois do desfile – e até os dias de hoje nos estádios de futebol. 
A letra, composta por Grego, além de leve, divertida e festiva, te leva a relembrar e viajar pelo universo infantil, dos tempos de criança, não deixando de lembrar os antigos carnavais e a celebrar a Gaviões da Fiel que celebraria 25 anos no carnaval daquele ano. A canção fez tanto sucesso que rompeu as barreiras do Anhembi e foi regravada pelo mestre Jamelão, num belo gesto de valorização do carnaval paulistano por um dos maiores intérpretes do país. E como diz o mesmo: o que é bom pra sempre fica guardado na memória….  

Leandro de Itaquera 1989 – Babalotim: a História dos Afoxés

“Ô, ô,ô… Eu vim de longe, cruzei mares, quem diria
Ô, ô, ô… Sou afoxé irradiando energia”
Este é aquele samba clássico da história do samba paulistano, se você ainda não conhece essa obra-prima, agora é uma ótima oportunidade. Um samba-enredo irresistível de ponta a ponta, com refrães deliciosos e que te convidam a cantar e sambar. A letra é de beleza e poesia ímpares, o que engrandece ainda mais a obra. Brilhantemente interpretado por Eliana de Lima, o hino fez muito sucesso antes mesmo do desfile e na hora da apresentação oficial mobilizou as massas presentes, comandado não só pelos vocais marcantes da lendária interprete paulistana, mas pelo público presente na Avenida. 
A obra composta por Thiago Lee, Grupo Relíquia, Sandrinha e Clarice é mais uma a contar a história da diáspora africana da maneira mais valente e poética possíveis, sendo coroada por um dos refrões mais inesquecíveis da folia paulistana, o que fez toda diferente a ajudar em eternizar essa canção. O marco de Babalotim foi tão forte na história da Leandro de Itaquera e do carnaval paulistano que foi recentemente reeditado pela agremiação. Axé, Babalotim!


Vai-Vai 1998 – Banzai Vai-Vai

Me beija na boca, amor 
Me faz um chamego eu quero sentir
Balançando a massa, é Vai-Vai que passa 
Sacudindo o Anhembi”

Achou que ia faltar a escola mais tradicional e conhecida do carnaval de São Paulo? Achou errado! E pra isso, apresentamos mais um grande sucesso popular e que literalmente “sacudiu o Anhembi”. É bem verdade que o Vai-Vai, como a escola popular e vitoriosa que é, coleciona uma discografia das mais revelantes e marcantes do carnaval brasileiro como um todo. Mas essa composição de 1998 tem sua força especial por vários motivos. É aquele samba com a essência do componente do Bixiga, com aquele jeito Vai-Vai de ser. 
A letra composta por Zeca, Zé Carlinhos e Afonsinho é um xodó da agremiação da Bela Vista, sendo o samba entoado em todos os ensaios e em todas as apresentações nas quadras das coirmãs. E como todo samba antológico que se preze, teve um intérprete que emprestou a força necessária aos versos da obra para eternizá-los, e nesse caso foi o inesquecível Thobias da Vai-Vai. A obra relatou com perfeição o enredo que levou o Criolé, mascote da escola, numa viagem pelo Japão, desenvolvido pelo carnavalesco Chico Spinoza, que fez história na alvinegra. 

Cabeções da Vila Prudente 1981 – Do Iorubá ao reino de Oyó

“Xangô Ô Ô Ô Ô
Valei-me meu pai, valei-me Xangô”

Esse talvez seja o samba menos comentado da lista, de uma escola menos conhecida ainda, mas não por isso menos belo e marcantes ao ouvir a primeira vez. A Cabeções de Vila Prudente teve uma trajetória curta e com apenas duas passagens no Grupo Especial até agora, mas em 1981 deixou sua marca no samba paulistano, mesmo amargando um décimo lugar no grupo principal daquele ano. A escola que recentemente voltou à ativa após enrolar a bandeira nos brindou com esse hino da folia nacional e que se tornou um clássico.
Sambas de enredo sobre orixás são sempre especiais pela sua força ancestral, e com esse não poderia ser diferente ao contar a história de Xangô, o rei africano que se tornou divindade nas religiões afro-brasileiras. Apesar de curta para os padrões atuais, a letra composta por Dom Marcos não deixa faltar beleza e força em seus versos, cumprindo muito bem sua função de emocionar e inspirar. Valei-me meu pai, kaô!  


Camisa Verde e Branco 1982 – “Negros maravilhosos, Mutuo Mundo Kitoko”

“Ôô, ôô, a nossa escola
Enaltece a negra gente
Que nunca ficou chorando 
Sempre viveu cantando, fingindo contente”
“Achei uma bola de ferro, presa a ela uma corrente, tinha um osso de canela, deu tristeza em minha mente...” O que esperar de um samba que já começa dessa forma? É uma baita de uma pedrada na alma. Ao contar a dor da diáspora, o samba-enredo da Camisa Verde e Branco de 1982 evoca belas imagens da dor e sofrimento do trânsito entre África e Brasil. Chegando até os dias de hoje, o samba faz um verdadeiro clamor por igualdade racial, além de uma justa exaltação ao povo negro. 
A obra composta por Ataíde tem um refrão principal duplo, que dá um toque muito singular ao samba, sem falar que ele em sua totalidade é bastante valente em forma de letra e melodia. Exaltando a importância da negra raça também na contemporaneidade, a marcante canção deixa uma pergunta que até hoje ecoa na nossa sociedade: “Não nos leve a mal / Por que só no triduo de Momo/ Que o negro é genial?.” Afinal, “negro paga imposto, negro vai a guerra, negro ajudou a construir a nossa terra…”

1970 – Desfile de carnaval no Vale do Anhangabaú.

Relembrar sambas antológicos do Carnaval é sempre um passaporte para uma viagem no tempo, seja em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Listá-los é sempre tarefa árdua e que presume uma seleção, que com certeza não agradará a todos. Entretanto, são diversos os sambas que poderiam também estar presentes nessa lista, obras como: Gaviões da Fiel 1994, Mocidade Alegre 1980, Vai-Vai 1982, Nenê de Vila Matilde 2002 e muitos outros. 
Seja exaltando a beleza e a importância do povo negro, seja passeando pelos velhos tempos e por continentes distantes, o samba paulistano tem sua riqueza e importância na cultura nacional. Afinal, seu carnaval é também patrimônio da nossa gente. Esperamos que tenham curtido os sambas, que tenham descoberto novos hinos favoritos e que se aventurem a pesquisar e conhecer mais sobre a história do Carnaval de São Paulo. Até a próxima!   

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Uma resposta

  1. Estupendo texto ao qual concordo integralmente. Permitam fazer uma notinha de rodapé: em 2008 a Colorado reeditou este samba de 1988 quando estava no antigo Grupo 1 da UESP (atual Acesso 2 da LIGA). Por sinal, foi a primeira reedição do carnaval paulistano.

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