A #SérieSambas vai trazer todo o universo do gênero que comanda a nossa festa, desde os grandes clássicos, passando por seus compositores e intérpretes. Sempre às segundas e quintas-feiras de outubro. Fiquem ligados!
Apesar dos discursos pessimistas e com tom nostálgico, o samba-enredo segue se renovando e se mantendo vivo através de décadas. Dizem que “o samba agoniza mas não morre”, porém, desde que as escolas de samba surgiram, elas negociam e brincam com os conceitos de tradição e modernidade. É verdade que desde sempre o espírito “na minha época era melhor” assombrou as escolas e, nos dias atuais, as vozes se potencializam e esse discurso se intensificou. No entanto, apesar das agremiações atravessarem uma crise que dialoga com o momento social e político do país e, principalmente, da cidade do Rio de Janeiro, os sambas-enredos vivem uma fase de renovação, transformação e intensa discussão, desde o início dessa década.
No meio de tantas tensões e contingências, o samba resiste e se mantém vivo entre as polêmicas discussões sobre o assunto; o encarecimento das disputas, as problemáticas políticas que são envolvidas nas escolhas dos sambas, a encomenda de obras, os escritórios…. Todas essas questões agitam as falas sobre samba-enredo e fazem relevantes todos os debates sobre as obras musicais de nossas escolas.
Imersos nesse contexto, é possível perceber que a estrutura de melodia e letra que esteve estagnada por mais de vinte anos começou a dar alguns respiros nos últimos carnavais, com obras que testam novos formatos e métricas para os desenhos dos sambas. Passeando pelas composições mais relevantes da última década, a gente propôs uma análise das transformações musicais recentes do nosso gênero musical favorito! Vem com a gente!
Madureira sobre o Pelô e a Vila faz sua festa no arraiá
Se a década começou com um desfile marcante nos quesitos estéticos, o mesmo não se pode dizer dos sambas de então. Nas safras dos dois primeiros anos da década presente, poucas obras se destacaram por trazer algum tipo de inovação em meio ao formato tradicional. Vale destacar, entretanto, nesses dois anos, as composições da Imperatriz Leopoldinense, que chamaram atenção pela melodia forte e letra cheia de boas passagens. Com os enredos “O Brasil de todos os deuses” e “A Imperatriz Adverte: sambar faz bem a saúde”, ambos assinados pelo carnavalesco Max Lopes, a verde e branco foi bicampeã do Estandarte de Ouro do quesito com as obras compostas pela parceria encabeçada por Gil Branco, Guga, Jeferson Lima e Me Leva, entre outros nomes que oscilaram nos dois anos.
Foi depois, entretanto, que marcos definitivos podem ser estabelecidos no deflagrar de todas as transformações e novidades dessa década. A obra símbolo de todo esse processo veio da Portela, em 2012, com a escolha de um samba-enredo histórico e que se destacou desde seu surgimento na disputa da escola por suas características até então pouco valorizadas. A força da composição de Luiz Carlos Máximo, Naldo, Toninho Nascimento e Wanderley Monteiro levantou a competição na quadra da Rua Clara Nunes, ganhando repercussão na internet e nos comentários da mídia especializada.
A letra construiu belas imagens ao contar o enredo sobre as festas e religiões associadas ao estado da Bahia, enquanto a cadência lembrava sambas-enredos antigos, fora da aceleração reinante, que dominava, à época, o andamento dos desfiles. A letra era coroada ainda pelo marcante refrão que fazia Madureira subir o Pelô e rolar o toque de Olodum, tornando-se um clássico instantâneo. A obra também trouxe uma inovação na estrutura, saindo da fórmula de dois refrões e duas partes de versos agrupados. Ela acrescentou uma nova sequência a ser repetida e dividiu os versos em um novo conjunto. Mesmo com um desfile com equívocos visuais, em um período de forte crise institucional, a Portela chegou à sexta posição daquele carnaval, motivada por seu grande samba, exaltando a importância de uma obra musical em meio à imposição do visual.
No mesmo ano, uma semente transformadora também nasceu em Vila Isabel. A parceria formada por André Diniz, Arlindo Cruz, Artur das Ferragens, Evandro Bocão e Leonel se sagrou campeã na agremiação e também inovou ao introduzir uma espécie de “contra canto” em sua estrutura. No fim da segunda passagem, um jogo de palavras trouxe sentenças que deveriam ser completadas em um jogo de resposta entre os componentes em cortejo, com uma criativa solução. A força da obra que falou da ligação entre o Brasil e Angola se aliou ao trabalho plástico da mestra Rosa Magalhães e consolidou um desfile memorável.
No ano seguinte, na mesma azul e branca de Noel, o samba-enredo voltou a ser protagonista como não se via há muito tempo. Arlindo Cruz seguiu na liderança da parceria, que se sagraria campeã novamente, com destaque para a chegada ao grupo de Martinho da Vila, um dos mais importantes compositores do país. Para cantar a narrativa sobre a agricultura e o homem do campo, a composição se utilizou de imagens poéticas e singelas como pedia o tema. Com um refrão em duas versões, em que a palavra “plantar” e “colher” eram revezadas, a música fez sucesso entre os sambistas e repercutiu fortemente no pré-carnaval. No desfile, a expectativa se cumpriu e a grande obra musical foi o guia máximo a conduzir a escola para o terceiro título de sua história.
Nas bandas de Oswaldo Cruz e Madureira, após o sucesso da composição sobre a Bahia, a parceria de Toninho Nascimento, Luiz Carlos Máximo e Wanderley Monteiro obteve algumas modificações em seu corpo, mas seguiria campeã na Águia por mais dois anos, reforçando um novo estilo de fazer samba, com melodia, candência particular e a marcante estrutura de três refrões que possibilitava uma ginga aos ouvintes. Em 2013, o enredo sobre a história do bairro de Madureira teve um valente refrão com o verso “abre a roda, chegou Madureira”. Em 2014, na narrativa sobre a história da Avenida Rio Branco e seu entorno, a escola, guiada por outra diretoria, brilhou com o inesquecível “vou de mar a mar”.
E a coisa reverberou
Ainda em 2014, o Salgueiro se destacou nas rodas de discussão pela obra composta por Betinho de Pilares, Dudu Botelho, Jassa, Miudinho, Rodrigo Raposo e Xande de Pilares, na primeira vez que o cantor do Grupo Revelação foi campeão na disputa da agremiação, quando passou a integrar o carro de som da Academia. O samba conduziu uma boa apresentação e seria vencedor do Estandarte de Ouro daquele ano, mas o desfile foi derrotado na apuração pela apresentação controversa da Unidos da Tijuca em homenagem a Ayrton Senna, embalado por um problemático e pouco inspirado samba-enredo.
Já no grupo de acesso, recém transformado em Série A pela junção dos dois antigos contingentes que desfilavam na Sapucaí, iniciou-se uma alternativa ao criticado e problemático modelo atual de disputa de sambas. Com dificuldade em sua quadra, a Renascer de Jacarepaguá resolveu encomendar sua obra musical e não promover disputa. Sem as amarras que normalmente limitam os compositores nas disputas de samba, os renomados Cláudio Russo e Moacyr Luz foram convidados a compor a obra em homenagem ao cartunista Lan, que fugiu dos moldes comerciais e poucos criativos. Desde então, a agremiação alvirrubra segue não realizando disputas, em medida que gerou uma série de discussões e foi replicada em diversas escolas.
Já são seis obras encomendadas que sempre tiveram Russo e Moacyr como autores, com poucas variações. Entre 2015 e 2016, a cantora Teresa Cristina participou das criações, nos enredos sobre Candeia e São Cosme e Damião. Já em 2017, o intérprete Diego Nicolau entrou no grupo e vem assinando. Na história do carnaval recente, é rara e notável a sequência de bons sambas que a Renascer apresentou com essa medida. Apesar de variarem ligeiramente em espécie de “régua de qualidade”, todas as obras assinadas desde então são excelentes. Destaca-se o samba de 2017, que rendeu belos e duros versos sobre a negritude, inspirado no enredo “O Papel e o Mar”, ao propor um encontro ficcional entre a escritora Maria Carolina de Jesus e o marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata.
Retornando a discussão à elite carnavalesca, veio da Leopoldina, de uma agremiação com uma discografia invejável, o protagonismo dos aspectos musicais entre 2015 e 2016. Com disputas de samba de alto nível e diversas obras de qualidade à disposição, a Imperatriz coroou a importância do maior compositor de sua história nestes dois anos. A parceria liderada por Zé Katimba compôs lindas pérolas do gênero, que se destacaram pela inovação melódica e na construção da letra, tanto ao contar o continente africano quanto ao homenagear a dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano. No aspecto estrutural, a composição sobre o enredo “Axé Nkenda” surpreendeu ao trazer apenas um refrão a ser repetido, e o resto da letra foi dividido em três partes, com destaque ao bloco do meio, de melodia marcante e cíclica, ainda que a letra não se repetisse. Bem interpretada pelo cantor Negô, a música foi a vencedora da categoria no Estandarte de Ouro.
Voltando à Majestade do Samba, a parceria que emplacou três sambas seguidos na azul branco acabou se desfazendo e, em uma disputada final para a escolha da obra a ser defendida no carnaval de 2015, quem se saiu campeão foi o grupo liderado pelo baluarte Noca da Portela. A escolha deu sequência à personalidade dos sambas anteriores de Toninho, Máximo e Wanderley, demonstrando a importância daquele formato concebido para o carnaval de 2012. Também em 2015 e também sobre compositores importantes para a história de uma escola, a Beija-Flor foi campeã do carnaval com uma bela obra afro que exaltou a Guiné Equatorial. Samir Trindade encabeçou a parceria, e após grandes sambas compostos para a escola nilopolitana, transferiu-se para Portela no ano seguinte, quando seria campeão após mais uma acirrada disputa na Águia de Oswaldo Cruz e Madureira.
O ano de 2015 também é lembrado por uma medida inédita que apontou os novos processos e tensões acerca dos sambas de enredo, e pela volta da Viradouro ao Grupo Especial. Presidida pelo compositor Gustavo Clarão, a vermelho e branco optou por não realizar disputa de samba, mas fazer uma junção de duas obras do repertório de Luiz Carlos da Vila, compositor fundamental para a história do samba, um dos autores de “Kizomba, Festa da Raça”. Apesar de não terem nascido como sambas de enredo propriamente, as duas obras tinham cadência e aspectos estilísticos próximos ao gênero dos sambas das escolas, além de serem bem resolvidas musicalmente em sua adaptação a ser cantada. Apesar de levantar debates e gerar um samba elogiado, a medida passou de maneira discreta na discussão pós-desfile, talvez motivada por uma apresentação pouco emocionante da alvirrubra, afetada por uma forte chuva.
O ano do renascimento
Após esta série de composições que mapeamos, o ano de 2016 foi uma espécie de ápice das transformações das obras musicais das agremiações, sintetizando uma leve revalorização do aspecto musical em tempos espetaculares. Tudo começou com uma boa sequência de enredos das escolas, que gerou uma das melhores safras de sambas do século XXI. No Grupo Especial, das doze agremiações, significativa parte escolheu boas obras para a Avenida. Com uma grande variação de estilo e características, não se viu uma safra tão homogênea como de costume, mas plural no aspecto musical e dialogando com a personalidade das escolas.
E tudo começou no pré-carnaval, com disputas de sambas acirradas e polêmicas, repletas de repercussão nas redes sociais. A do Salgueiro foi uma dessas, que se dividiu entre as parcerias do jovem Antônio Gonzaga e do consagrado Marcelo Motta. Entre o “dói, dó, dói” e o “malandro batuqueiro”, a comunidade da escola da Tijuca escolheu a obra com uma estrutura menos ousada, mas com a força de um refrão inesquecível e uma letra que versava com a tradição de versos leves e marcantes da Academia. No pré-carnaval, o samba explodiu e chegou com força no ensaio técnico da vermelho e branco, o que se consolidou no desfile, apesar do desempenho abaixo do esperado nos quesitos plásticos.
Outras disputadas escolhas de samba aconteceram, novamente, em Ramos e Madureira. Como já apresentado, Zé Katimba se firmava como um dos grandes compositores do carnaval ao transformar o controverso enredo sobre uma dupla de sertanejo em um samba-enredo de melodia marcante e bela letra. Na Portela, a chegada imponente de Samir Trindade, após uma atuação vitoriosa em Nilópolis, arrebatou a disputa ao mexer com a vaidade portelense por meio de um refrão que fazia todos bater no peito e dizer “eu sou a Águia”. Com um desfile inflamado, a harmonia treinada da escola ajudou a obra a ganhar o Estandarte de Ouro daquele ano.
Fora da tradição de grandes competições de sambas, a Unidos da Tijuca foi uma surpresa naquele ano após uma sequência de obras musicais pouco inspiradas. Diante de grandes parcerias que brigaram entre si, saiu campeão o grupo de autores liderados por Dudu Nobre, com uma letra poética ao falar da agricultura e da relação do homem com a terra.
Mas, na pista de 2016, foram duas outras canções protagonistas na sedução de público e arquibancada. Primeiro, a Vila Isabel voltou a trazer uma obra de qualidade, após dois anos mais discutíveis no aspecto musical. Nomes da parceria vitoriosa de “Festa no Arraiá”, como Martinho da Vila, André Diniz, Arlindo Cruz e Leonel, retornaram a compor para a azul e branco, e foram responsáveis pela música sobre a importância do político Miguel Arraes no estado de Pernambuco.
Por fim, não pode se esquecer da campeã Mangueira ao recuperar sua tradição de grandes homenagens a nomes da música e a sacudir a Sapucaí ao saudar Maria Bethânia. A Estação Primeira também conquistou uma das melhores safras de sua história, com várias composições que dariam um excelente tom ao desfile. Apesar do samba-enredo vencedor não trazer grandes inovações estéticas, a obra composta por Alemão do Cavaco, Almyr, Cadu, Lacyr D’Mangueira, Paulinho Bandolim e Renan Brandão cumpriu seu papel de conduzir muito bem o desfile da verde e rosa. A agremiação, aliás, é uma das escolas mais regulares no quesito da nossa série, e dificilmente não leva para avenida composições que não toquem o coração dos espectadores.
Passeando novamente aos grupos de acesso, outras obras se destacaram em um ano tão frutífero para o aspecto musical das agremiações carnavalescas. Na Viradouro, um samba com melodia e letra marcantes se tornou protagonista na briga por contar a história do “Alabê de Jerusálem” na Avenida. A agremiação implorou por tolerância e respeito numa emocionante obra encabeçada por Paulo César Feital, importante nome da MPB, e Felipe Filósofo. Além da Viradouro, Felipe também foi um dos responsáveis pela obra da Acadêmicos do Sossego, na Série B. A agremiação, ao contar o enredo sobre a obra de Manoel de Barros, confeccionou um samba-enredo sem rimas, até então só produzido por Martinho da Vila em 1987, na Vila Isabel.
Com o campeonato da azul e branco do Largo da Batalha e sua ascensão ao grupo A, o compositor seguiu sendo o ousado artista por trás da composição de obras musicais da agremiação, e lideraria uma sequência de letras que pensariam novas estruturas e soluções para o gênero. Após a obra sem rimas, Filósofo e a escola apostaram em uma obra em formato de diálogo no enredo sobre a atriz Zezé Motta e uma sem a presença de verbos, ao exaltar os diversos rituais da humanidade. Ambas foram novas tentativas de soluções para o formato exaurido das composições carnavalescas.
O Céu de Sherazade e o canto do Juremê
Após o importante carnaval de 2016, o ano seguinte guardou uma série de surpresas para as escolas de samba em seus diversos aspectos. Mas se restringindo ao tema samba-enredo, duas obras despontaram em agremiações que ainda não haviam se destacado no quesito durante a década, polarizando assim as discussões a respeito das transformações do gênero. De um lado, a Beija-Flor começou sua escolha de samba com um fator decisivo para o nascimento de uma grande composição: uma disputa acirrada. Um samba-enredo com uma série de elementos inusitados chamou a atenção nas redes sociais a partir da produção de um videoclipe com status de superprodução, com direito a atores e encenação do enredo sobre Iracema.
Quem diria que um samba com um refrão principal de improváveis oito versões, um refrão do meio com apenas uma frase repetida quatro vezes e que trouxe ainda a repetição da palavra “amor” no mesmo verso poderia dar tão certo? Contrariando todas as verdades pré-estabelecidas, a obra de Claudemir, Maurição, Ronaldo Barcellos, Bruno Ribas, Fábio Alemão, Wilson Tatá, Alan Vinicius e Betinho Santos se alastrou feito pólvora no universo carnavalesco, fazendo todo mundo cantar “juremê” e “pegar no aremê”. Cantado por Neguinho da Beija-Flor e aliado à garra de toda a comunidade de Nilópolis, a obra deu o Estandarte de Ouro da categoria para a azul e branco após uma década sem realizar a conquista.
Apesar de bem quisto pela maioria arrasadora dos sambistas naquele ano, a disputa de melhor samba do ano era grande e vinha de Padre Miguel o concorrente da Soberana. Após mais de uma década sem apresentar sambas com expressão, a Mocidade Independente teve em sua obra musical o guia para voltar a ser protagonista. Apesar do carnaval sobre o Marrocos começar desacreditado e com uma sinopse confusa, uma obra liderada por Altay Veloso e Paulo César Feital subverteu o texto base e criou suas próprias imagens sobre o trânsito cultural entre Marrocos e Brasil, promovendo o encontro entre Alá e Xangô. Surpreendendo ainda ao rimar Mocidade não com “cidade ou comunidade”, mas com o Sherazade, e com belas imagens e soluções de letra que fugiam aos clichês usuais, o samba tinha ainda uma melodia marcante e cadenciada.
O trânsito cultural e a homenagem a um país de cultura distante a nossa seguiu no melhor estilo Glória Perez para o ano seguinte na verde e branco, e a parceria de grandes nomes da MPB seguiu vitoriosa com uma obra ainda mais bonita e que reforçou as características do ano anterior, fazendo roncar a pele do tambor da eternidade, brindando o pública com mais uma linda melodia.
E o agora, e o amanhã?
Cinco anos após ter dado início às transformações no formato do samba-enredo, a Portela foi campeã com uma das obras com menos qualidades do que dos anos anteriores. Ao contar o enredo sobre os rios, os compositores liderados por Samir Trindade aliaram à narrativa personagens da história da escola, o que gerou uma série de críticas, apesar da ferramenta reforçar uma característica narcisista da azul e branco, presente em outros sambas antológicos da Águia, como “Contos de Areia” e “Tributo a Vaidade”.
Em meio às transformações do gênero, crises das agremiações, falta de verbas e inviabilidades no formato das disputas e sua alta necessidade financeira, a alternativa da Renascer de Jacarepaguá e o sucesso de suas obras fez o recurso da encomenda se espalhar em outras agremiações chegando até o Grupo Especial. Após um criticado samba de 2017 para defender o ótimo enredo acerca do movimento tropicalista, a Paraíso do Tuiuti resolveu encomendar sua obra a grandes compositores da agremiação e nomes consagrados do mundo do samba, como Cláudio Russo e Moacyr Luz. Mais uma vez, deu resultado: a obra embalou um desfile apoteótico sobre os 130 anos da abolição da escravidão, que levou a escola para um surpreendente vice-campeonato, inédito na história da azul e amarela.
Já na Série A, o grupo de obras escolhidas sem as tradicionais disputa de composições cresceu vertiginosamente. Além da Renascer, as escolas Rocinha, Alegria da Zona Sul, Sossego e Inocentes escolheram os autores de seus sambas e delegaram a eles a missão de compor suas obras. Apesar de polêmicas, todas as obras encomendadas apresentaram uma boa qualidade musical, deflagrando uma discussão necessária sobre a medida. Para o bem ou para o mal, a encomenda não pode ser relativizada como causa da perda de protagonismo das escolas de samba, o avanço dos ditos escritórios de compositores e a perda de força das alas de músicos dentro das agremiações, mas sim como sintoma de todo esse processo iniciado há décadas.
Para 2019, a ausência de disputa na Série A não só segue com força; mas se disseminou também no Especial causando desdobramentos e polêmicas. Em meio a tantos processos, o Império Serrano apostou em uma medida inédita ao levar uma obra musical já composta e fora da métrica do samba-enredo para a Avenida. A canção “O quê é, o que é”, de Gonzaguinha, será interpretada pelo cantor Leléu e iniciou uma série de discussões sobre os rumos dos sambas de enredo. Será que o corpo de uma escola em cortejo terá ritmo para dar voz ao clássico da MPB e levantar as arquibancadas?
No meio de várias tensões, essa e diversas questões surge. Uma delas clama por sabedoria às diretorias e aos compositores das escolas: será que a salvação para a perpetuação da festa, diante do contexto de graves crises política e social em que se encontram as agremiações, passa pela força das obras musicais levadas para a avenida?