SINOPSE: Paraíso do Tuiuti | KA RÍBA TÍ YE – “QUE NOSSOS CAMINHOS SE ABRAM”

 

“Somente nos tornamos verdadeiramente quem somos ao lançar nossos olhares sobre os ombros daqueles que chegaram antes de nós. Lembrar daqueles que vieram antes de nós é uma obrigação sagrada.” (provérbio iorubá)
E quem somos? Se olharmos para o passado, a quem devemos saudar? Que caminhos seguiram aqueles que nos trouxeram até aqui e nos ensinaram que o futuro pode ser alcançado com sabedoria? Um conhecimento ancestral que atravessa os séculos e inspira nossas escolhas e destinos. O canto do Tuiuti vem desse tempo distante, quando o mundo ainda nem era povoado pela humanidade. O canto do Tuiuti vem da África, onde nasceu o primeiro homem. Hoje, vai colher histórias de luta, sabedoria e resistência negra, para exaltar aqueles que abriram nossos caminhos. KA RÍBA TÍ YE.
O Tuiuti saúda a sabedoria de Orunmilá e traz, para a Avenida, uma homenagem aos pretos, homens e mulheres que marcaram a história da humanidade porque escolheram os caminhos da determinação, da beleza, do conhecimento. Eles afirmam, em suas trajetórias, o poder da origem, os ensinamentos dos orixás e daqueles que povoaram o mundo, trazendo, em suas almas, a diáspora africana.
O mundo é recriado todos os dias por nós, quando emitimos uma palavra, uma cantiga, uma oração, um pensamento ou quando fazemos um movimento. A sabedoria iorubá está no respeito ao passado, no que conseguimos contar através do tempo, porque, assim, transmitimos o conhecimento dos ancestrais.
Os signos e poemas sagrados do Ifá chegam de uma África antiga, através de vozes que se levantaram no passado e ecoam no presente, para nos ensinar os fundamentos que nos encantam e sustentam nossas escolhas. Mantidos pela fé inabalável dos que nos antecederam, podem ser reconhecidos nas atitudes de homens e mulheres que têm, em comum, a certeza de que é preciso mudar. A transformação acontece porque seus sonhos, seus ensinamentos e suas ideias se eternizam para inspirar os caminhos que devemos seguir. Assim nos ensina o Ifá… e os orixás nos guiam…
O DESFILE – ABERTURA
Olodumarê, o deus supremo, criou o mundo. Contou com a ajuda de Orunmilá, Exú e Oxalá. Pediu a Oxalá que criasse o homem. O primeiro homem veio da terra. Oxalá tentou criá-lo de muitas matérias, mas nada deu certo. Nanã trouxe lama do lago, e com ela Oxalá modelou esse barro. Olodumarê deu o sopro da vida ao homem. E ele povoou a Terra com a ajuda dos orixás. É por isso que, quando o homem morre, seu corpo tem que retornar para a terra. Nanã quer de volta tudo o que é seu. Só o retorno às nossas origens nos permite renascer!
Olodumarê enviou os orixás para o Ayé e ordenou que eles cuidassem do mundo e do homem. A eles foi dada a missão de zelar para que os homens aprendessem a viver, cuidassem de si e dos outros, respeitassem a natureza. Exú tem o dever de resolver tudo o que possa aparecer e isso faz parte do seu trabalho e de suas obrigações. Ele é o mensageiro. Sem Exú, orixás e humanos não podem se comunicar. Nada pode acontecer sem ele. E Orunmilá foi enviado por Olodumarê para dar direção e sentido para homens e mulheres em seus percursos. Ele conhece os segredos do Ifá, o conhecimento mais profundo, os caminhos que existem e a maneira como orixás e pessoas transitam por eles.
Cada um escolhe como viver, tem liberdade para agir como quiser e deve responder por tudo o que faz. Mas Orunmilá, o orixá do conhecimento e da sabedoria, sabe o segredo do destino, pode indicar a melhor direção. Ele revela todas as situações, circunstâncias, ações e consequências na vida.
A ESPADA E A PALAVRA – Lideranças na política
As primeiras cidades foram fundadas por poderosos orixás. Por séculos, dinastias de negros africanos governaram imensos territórios. Soberanos, impunham respeito e devoção. Piankh Piye foi rei da Núbia e tornou-se o primeiro faraó negro da história, depois de conquistar o Egito. Mansa Kankan Musa, considerado o “rei dos reis”, foi o principal responsável por expandir as riquezas do poderoso império de Mali. A importância da contribuição das diversas nações africanas para o desenvolvimento cultural, político e científico da humanidade é inquestionável. A partir do século XVI, a África começou a sofrer terríveis invasões, em que os inimigos arrastavam milhares de pessoas escravizadas para outros continentes. Também levaram reis e rainhas, que resistiram com bravura, em terras distantes, para proteger o povo da ira do opressor. Zumbi, como o senhor da guerra, nunca abandonou seu caminho nem perdeu a coragem e a esperança nos momentos mais difíceis. Ògúnye! Dandara, rainha guerreira implacável, impôs respeito, com sua força, inteligência e rebeldia. Èpà heyi! Eles inspiram a luta até hoje. Tornaram-se símbolos dos que clamam por justiça e igualdade, nos quilombos, nas favelas, nas ruas das cidades que continuam construindo. A espada pode ser a palavra em punho, a voz do combate, a defesa dos direitos das mulheres. Angela Davis não aceita as coisas que não pode mudar e, por isso, muda as coisas que não pode aceitar. Obà si! Mandela escolheu difundir a paz, com a serenidade de quem sabe como dominar os perigos. E se e babá, Epà bàbá! Barack Obama incendiou corações para conquistar, na democracia, o poder de uma grande nação e combater o racismo e a discriminação. Kawòó kábiyèsi! Na guerra ou na paz, sempre souberam como liderar a resistência.
A BELEZA DO MOVIMENTO – Artistas abrindo os caminhos
A natureza é equilíbrio. A sensibilidade se esconde nas águas claras dos rios e na vida que habita as florestas. A natureza é mudança. Nos ensinamentos dos orixás, a dualidade persiste, sem preconceitos. Viver com arte é superar os limites. RuPaul Charles desafia seu tempo e seus espetáculos mostram que a arte também é transformação. Losi Losi! A música de Beyoncé apaixona, seduz e espalha, pelo mundo, a força e a beleza da África. Ò óré yeye o! Benjamim de Oliveira deu o salto para a liberdade, desafiando seus opressores e encantando a plateia, principalmente, a criançada. Oni beijada! Maria Lata D’Água desceu do morro e surpreendeu a Avenida, com a dança de quem se equilibra para suportar o cotidiano da pobreza. Serginho do Pandeiro faz malabarismos, acompanhando o samba sincopado que fascina os passistas. Láaròyè Èsù! Os tambores dos Alabês embalam o ritual do Tuiuti. Do grande teatro, vem Mercedes Baptista, a mãe de muitos bailarinos e bailarinas pretos. Ela alimentou a cena com movimentos e gestos da cultura africana. Odò fé yaba! Mãe Stella foi doutora, escritora da Academia de Letras da Bahia e contadora de ìtans, que encantam adultos e crianças; ela é Odé Kayode. Oke aro! Chadwick Boseman incorporou a realeza africana do futuro, no jovem guerreiro da paz, eternizando, no cinema, a inspiração da ancestralidade. E se e babá, Epà bàbá!
À LUZ DA CIÊNCIA – Com a proteção dos orixás
De onde vem o poder da cura e do domínio da ciência e da técnica que nos permite avançar em direção ao futuro? A profunda ligação dos orixás com os elementos naturais expande nossa visão para a necessária preservação do planeta. Wangari Maathai, a combativa bióloga africana, nos ensina: “somos chamados a ajudar a Terra, a curar as suas feridas e, no processo, curar as nossas, a abraçar, de verdade, toda a criação, em toda a sua diversidade, beleza e maravilha”. Onílé mo júbà awo! A sabedoria ancestral também sustenta a justiça para os que queiram nela se inspirar; a desembargadora Ivone Caetano protege aqueles que estão entregues a todo tipo de brutalidade e racismo. Saluba! Desde a Antiguidade, nossos antepassados ensinam o manejo da terra, o cuidado com as plantas que podem servir de alimento e cura; George Washington Carver estudou e compartilhou suas descobertas com quem mais precisava desse sustento, tornando-se um dos cientistas mais respeitados do mundo. Ewê o asà! E, quando a peste devastadora cai sobre nós, rezamos para que o orixá nos devolva a saúde; agradecemos a quem foi capaz de desvendar os segredos do vírus e nos ajudar a vencer a doença. Jaqueline Goes de Jesus, que isolou o genoma da Covid-19, é motivo de orgulho para a ciência brasileira. Atóto! O que dizer diante do tabuleiro da jovem campeã, que movimenta as peças do xadrez com sensibilidade e inteligência? Phiona Mutesi é como a yabá de grande sabedoria e vidência, que, dominando todas as probabilidades, pode transformar o mal em bem, atributo que lhe foi concedido pelo próprio Orunmilá. Hiho! O arco-íris liga o Orún ao Ayé. É obra de uma divindade que representa os movimentos da Terra, dos astros, a transformação de dia em noite e de noite em dia; Mary Winston Jackson foi a primeira engenheira espacial da NASA e, em seu caminho, ajudou mulheres e outros grupos minoritários a avançar em suas carreiras e tocar o infinito. Aho gbogbo yi!
DEVOÇÃO À ÁFRICA – A fé como forma de resistência
A diáspora africana deu origem a festas, folguedos, cultos, rituais, canções, danças e manifestações religiosas que são símbolos de resistência aos horrores suportados por escravizados e seus descendentes nas Américas. Quando coroaram um imperador etíope como príncipe da paz e a ele adoraram como a um deus, nasceu o movimento rastafári, difundido pelo reggae. Ao proibirem o uso dos tambores, entoaram seus cânticos de louvor e dor, no ritmo das palmas e na percussão com os pés e batidas das mãos pelo corpo, dando origem ao gospel. A congada é a coroação de um rei e de uma rainha congoleses. Esse festejo também costuma render homenagens a um santo preto, descendente de africanos escravizados, bendito por sua dedicação aos pobres. As religiões de matriz africana eram proibidas e reprimidas. Seus praticantes usavam os santos católicos para cultuar os orixás e evitar os castigos aplicados pelos senhores. No Brasil, esse sincretismo, que recebeu contribuições de outras religiões, resultou na criação da umbanda. O candomblé ainda utiliza o culto às divindades iorubás, através de imagens católicas, mas procura manter maior conexão com os fundamentos da religião africana. O ritual da saída de iaô é o começo de um novo ciclo, a iniciação no candomblé. É o nascimento para a vida espiritual e garante a formação, a preservação e a transmissão dos valores culturais.
A saudação do Tuiuti simboliza o respeito às nossas origens e aos ensinamentos dos orixás. Um canto de amor aos homens e mulheres pretas, que são exemplos de luta, sabedoria e resistência. Que o passado ilumine o futuro, que nossos caminhos se abram! KA RÍBA TÍ YE.
Paulo Barros
Isabel Azevedo
Cecília Couto Martins
Fátima Couto Martins
Simone Martins

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