União da Ilha do Governador: “Nzara Ndembu – Glória ao senhor tempo”


NZARA NDEMBU–
GLÓRIA AO SENHOR TEMPO
GRES UNIÃO DA ILHA DO GOVERNADOR 2017


“O Tempo não existe;
a não ser em todo o resto que há!
E Rei, o Tempo, é uma epopeia,
existindo nas coisas todas que hão!
É ausência que se apresenta
como transformadora presença.

I
Pois havia as terras dos Bantos, onde Nzambi Mpungu, o grande criador e suprema entidade, vivia em seu suntuoso palácio, Nsanzala dia Nzambi, o Templo da Criação, na origem do universo, entre ampulhetas mágicas e ornamentos de ouro e marfim. Foi quando surgiu a necessidade de convocar Kitembo, Rei de Angola, e transformá-lo no Inquice mágico do tempo: o tempo cronológico e o tempo mítico estariam reunidos para toda a eternidade.
Raios e dias, tempestades e semanas, vulcões e meses, estações do ano e os anos, maremotos e décadas, os segundos em séculos, os minutos em milênios, as horas dando sentido à vida! Abriram-se mágicos portais, que conduziriam razão e emoção no longo existir. O destino e a mutação.
No interior do Palácio, todo dia e noite, criaturas Nlundis e Fucumbas de ferro protegiam a rara energia maleável e evolutiva- o Nguzu, que dava a Kitembo o poder de transformar o mundo.
Foi assim que o espírito livre de Kitembo varou os céus e se fixou na terra, alcançando conexão entre os dois mundos: o sobrenatural e o material. Criou raízes fortes de uma árvore sagrada, que servia como meio de comunicação e de transporte ente os deuses e os homens, em comunhão com o universo.
II
Já lá se vão 4,6 bilhões de anos! Sobre o supercontinente seminal, aliou-se à Nzumbarandá, a mais velha dos Inquices, e juntos criaram a natureza na Terra, solicitando que Katendê lançasse sementes que formariam florestas guardadoras de majestosa biodiversidade.
Este equilíbrio foi maculado com a chegada do grande meteoro que avermelhou o céu. Foi preciso a ação de Kiamboté Pambu Njila, em forma de caminhos e de movimento, para que os continentes e o nível do mar começassem a se mover. Pontes de terra abriram caminhos entre um bloco e outro, permitindo que primitivos animais migrassem livremente.
No caminho, o Rei de Angola encontrou guerreiros de várias tribos e ensinou-lhes a cultivar a terra. Era plantar para colher, domesticar alguns animais, e aceitar que muitas espécies permaneceriam na natureza selvagem. Kiamboté Kabila Duilo! Gongobira! Mutalambo: salve o caçador dos céus!
Kiuá Nkosi, o Senhor da forja, ao transformar o instrumento de pedra em metal viu os guerreiros lutando para sobreviver. Da força do ferro, para o bem e para o mal, surgiram os instrumentos de trabalho e nasceu a natureza bélica.
Kitembo não se abateu, e convocou Kavungo, Inquice da saúde, da morte e Senhor dos mistérios e Nsumbu, o Senhor da terra, para celebrarem a Kukuana: festa da fartura, da prosperidade de alimentos. O solo da mãe Terra ganhava assim a sua celebração principal. Em contato com a natureza plena e no reencontro com seus irmãos de Angola, o guerreiro Kitembo renovou seus laços de fraternidade, essência de sua ancestralidade, e seguiu viagem.
III
No final da era onde as águas se separam da terra, surgiram os grandes reservatórios debaixo e em cima da crosta do planeta. Angoro, Hongolo Menha, o arco-íris no céu, foi quem disso lembrou Kitembo. Era o vapor, o gasoso hídrico, a água, a seiva da vida, que circundaria toda a terra e trazendo novos ciclos.
As águas que se precipitam do céu tocados por Kitembo, Angoro e Bamburucema, se infiltram na terra e depois renascem límpidas e brilhantes. Fontes de toda a vida, as águas fizeram Kitembo entender a longevidade, o princípio de toda a cura e a bebida sagrada da imortalidade. Nos rituais africanos, a água é o elemento fundamental em banhos de cheiro, de descarrego; nas oferendas em cachoeiras; podendo, de forma mágica, também se transformar em estado sólido, fazendo surgir na natureza o encanto das geleiras, a neve e os icebergs.
Foi num mergulho nas águas salgadas, que Kitembo chegou ao palácio subaquático, cercado de corais, e lá encontrou Samba Kalunga, guardiã dos segredos dos mares profundos, e Nkianda, a dona de todo o mar e seus peixes abissais de extrema beleza.
A benção das águas salinizadas interagiu com lagoas e lagos onde a vida e a beleza das espécies aquáticas são mantidas e preservadas sob a proteção da encantadora Ndandalunda, sereia de águas doces. Ndadalunda! Kissimbi!
IV
Kitembo sabia que havia um destino solar no seu caminhar, o assim chamado fogo universal. Diante do poder incandescente, louvou Nzazi, a divindade do fogo, do trovão, da justiça. Estava diante do Inquice capaz de fulminar os injustos com sua pedra de raio. Uma chama incandescente que indica o caminho que deve ser seguido, por aquele que conhece os ensinamentos das leis do Universo. A força energética, ligada ao impulso da vida, à paixão, à transmutação; força avassaladora e incrível, associada à motivação, desejo, intenção, ímpeto e espírito aventureiro. Faísca de divindade que brilha dentro de nós e de todas as coisas vivas.
A Magia do Fogo pareceu ao Rei de Angola assustadora, porque os resultados manifestam-se de forma rápida e espetacular, como nosso metabolismo e as paixões que nos movem. O movimento da ampulheta não cansava de surpreendê-lo. O encontro do sol com a lua, do dia com a noite, só foi possível porque o fogo, condutor da magia, a chama da vida estava ali presente nos raios de sol de mais um dia.
No Sol, nas estrelas, nas fogueiras, nas brasas, nas lavas, nos vulcões e nas erupções. O frenesi que esquenta nos dias frios e faz transpirar nos dias quentes. Foi quando Kitembo apreciou o eclipse, mais um espetáculo da natureza:
E como isso não bastasse, o fogo era o elemento da comunicação, pois o fogo fala diretamente aos homens. Diante do fogo, o animal se espanta e foge, mas o humano espanta-se e aproxima-se. E ele faz parte de cultos e rituais, e desde os primórdios permitiu ao homem inúmeros avanços: o preparo de alimentos e bebidas, caçadas e no afugentamento de animais e grupos rivais, na fundição de metais e para fazer renascer as labaredas de fé no coração do homem.
V
O Rei Kitembo de Angola curvou-se diante do azul celeste, repleto do elemento Ar, e ali esperou até que surgisse ao seu lado Matamba, a Inquice rainha dos ciclones, furacões, tufões, vendavais. A guerreira poderosa, amor e paixão do Senhor do tempo. Contam as lendas que ele gostava de virar o tempo, apenas para ver Matamba soprar seu vento, tão fundamentais para movimentar as sementes outrora lançadas na terra. Ali, no chão da terra, onde o homem pisa com toda a sua humildade, estava a magia do poder transformador dos elementos.
Matamba deu-lhe a mão, e seguiu com ele de volta para a África, para o Reino de Nzambi. Ali uniram seus súditos na criação de um novo reino, gerando trabalho e prosperidade por muitos séculos, emanando para todos os povos irradiações de amor e respeito pelo meio ambiente, a fonte inesgotável de vida para as futuras gerações.
Que nossa vida seja um canal de manifestação do Reino de Nzambi, onde quer que estejamos. Que nossa ação, nossa palavra, nosso agir, revele esse maravilhoso reino com todas as suas potencialidades. E assim abriremos de volta o caminho para que possamos viver o nosso Tempo.
Como será o futuro da humanidade e a preservação dos elementos naturais? A união dos povos pela preservação da vida, responderia Kitembo.
Na história do Tempo, a árvore sagrada da vida deixou registrada para todo o sempre esta cronologia: as raízes do passado, as folhas do presente e os frutos do futuro. Saravá! Nzara Ndembu!
De um velho soba do deserto de Namibe,
para União da Ilha do Governador.
Carnaval 2017
JUSTIFICATIVA
É a bússola majestosa que guia os navios, os pontos cardeais, o vento nas velas das embarcações, as mudanças do tempo astral e do tempo cronológico do homem na Terra.
Senhor da razão e da emoção. Condutor das sensações e das emoções que o ser humano sofre ao longo da vida. Mutação, evolução! Faz mudar os rumos de tudo. O tempo está na luta, na guerra, em momentos especiais que mudaram destinos e amarraram heranças e civilizações mundo a fora.
A União da Ilha pede licença para dançar no ritmo do Tempo. Tal qual o povo guerreiro de Além-mar, veste a ancestralidade de um Rei consagrado no tempo e no espaço. Faz do carnaval, o renascimento e a celebração do Tempo Rei, aquele que detém o poder de tudo transformar. Com as páginas do passado, escrever no tempo presente o futuro para uma nova era, um novo tempo.
Com o canto e a força do seu povo, pede bênçãos a Kitembo, e emoldura as cores de todos os credos e todas as crenças no seu pavilhão.
Batam os tambores para um novo tempo: é tempo de fé para a União da Ilha!
Ê tempo! Ê tempo Nzara Ndembu!
Enredo: Severo Luzardo e André Rodrigues
Pesquisa: Jeferson Pedro
Colaboradores:
Ubiratan de Oliveira Araújo
Ricardo Euandilu Tenório
Alex Varela
Wellington Imperial
BIBLIOGRAFIA
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