Revisão: Felipe Tinoco.
Como diz a sabedoria popular: tudo que é bom dura pouco! Nossa #SérieDécada está chegando ao fim. Produzimos incessantemente, durante o último mês, uma série de textos, podcasts e listas abordando os grandes desfiles, sambas, comissões de frentes, personalidades e imagens do carnaval desta última década. Com um levantamento histórico e analítico destes anos, buscamos propor um olhar dos rumos que a folia tomou em suas mais diferentes áreas, traçando um panorama amplo e abrangente.
Todo esse conteúdo foi selecionado coletivamente por nossos integrantes e simbolizavam exatamente aquilo que acreditamos ser pertinente ao universo artístico-cultural das escolas de samba. Se o nossas análises refletiram grandes espetáculos e inquestionáveis momentos marcantes da história desses últimos dez anos, reservamos o último texto dessa série para expor, além de um panorama do recorte temporal baseado no ranking da liga, algumas incongruências de nossas leituras ao serem comparadas com resultados oficiais. Essas divergências podem e devem ser relativizadas. Afinal, não devemos basear a festa apenas na cabeça do seleto corpo de jurados escolhido pela LIESA e dos dirigentes que viram a mesa quando lhes convém, ditando as rédeas da festa.
Pontuação: 1º – 20pts. ; 2º – 15pts.; 3º – 12pts. ; 4º – 10pts.; 5º – 8pts.; 6º – 06pts.; 7º – 04pts.; 8º – 03pts.; 9º – 02pts.; 10º – 01pt. |
Ao analisar esse levantamento, encontramos uma interessante chave de caminhos a serem seguidos para o percurso de cada agremiação na década. Mesmo que o julgamento oficial possa e deva ser relativizado, é ele quem baliza as tendências que guiam as agremiações, mostrando certas “fórmulas” que aparecem replicadas e se confirmando ano a ano. Entendido isso, passaremos um rápido panorama de cada agremiação.
Comissão de frente de um dos grandes desfiles salgueirenses da década: o carnaval de 2015. (Foto: Riotur/Fernando Maia) |
Abre-alas do carnaval verde e rosa campeão em 2016, homenageando Maria Bethania. (Foto: Riotur/Fernando Grilli) |
De uma matriarca para a outra, foi apenas um ponto que deixou a Portela atrás de sua rival histórica neste ranking. A azul e branco teve trajetória parecida com a verde e rosa, vindo de gestões polêmicas e apresentações nada expressivas na pista sagrada da Marquês da Sapucaí. Fora o resultado oficial, a Águia deixou no começo da década uma importante contribuição nos rumos que o gênero samba-enredo tomou nos últimos carnavais, como apontamos no panorama sobre o quesito nesse texto. A chegada de uma das personalidade do período citadas na nossa série, Marcos Falcon, fez uma mudança completa na forma como a Majestade passou a se comportar na Avenida, culminando no esperado fim do histórico jejum de títulos da agremiação em 2017.
A águia altaneira campeã do carnaval de 2017, dando fim a um jejum histórico. (Foto: Riotur/Fernando Grilli) |
Fim do desfile caxiense no carnaval 2020, que rendeu o vice-campeonato à escola. (Foto: Carnavalize/Vítor Melo) |
Mesmo com alguns bons desfiles, as coirmãs dividiram uma falta de regularidade nas suas apresentações. De um lado, a tricolor insulana fechou o período rebaixada, enxergando-se diante a novos desafios a partir de 2021. Já a preto e amarelo amargou um penúltimo lugar do ranking apesar dessa ser maior estadia no Grupo Especial de sua história. Ambas escolas apresentaram bons desfiles durante esse período, que poderiam inflar suas posições no ranking final. Mas sentiram na pele, porém, o peso de uma avaliação viciada e relutante em premiar escolas com pavilhões sem tanto “peso”. O panorama foi ainda mais cruel com a preto e amarelo da zona sul, que foi ultrapassada ainda pela Paraíso do Tuiuti com apenas três desfiles no Grupo. A escola de São Cristóvão, por sua vez, conquistou expressivos pontos com seu histórico vice-campeonato em 2018, no qual ganhou destaque não apenas nacional, como também preencheu capas de jornais e sites mundo afora. Fixou-se, em vista disso, em uma significativa passagem pelo grupo, muito fermentada pela ótima atuação de Jack Vasconcelos.
Uma das alas da Imperatriz Leopoldinense no carnaval 2020, em que conquistou o retorno ao Grupo Especial. (Foto: Riotur/Marcos Ferraz) |
A #SérieDécada conclui um balanço técnico-artístico bem positivo para os rumos que as escolas de sambas provavelmente seguirão nos próximos anos. Mais do que a gasta discussão entre modernidade e tradição que sempre perambulou a história do carnaval, é importante notar como transformações necessárias aconteceram na festa em diversas esferas. Ainda que os últimos anos sublinhassem sérios problemas administrativos e comercias do espetáculo em se profissionalizar e prestar bons serviços a quem os consome, a reinvenção artística de muito setores atraiu novos públicos ao carnaval.
Isso se deu tanto no início deste anos, com a figura midiática de Paulo Barros e o sucesso de seus carnavais na Unidos da Tijuca, como pelo surgimento de novos carnavalescos que redefiniram fortemente os quesitos estéticos e as narrativas escolhidas. Do show hollywoodiano do artista pop do Borel à brasilidade popular e o refino estético de Leandro Vieira da verde e rosa, novos caminhos a serem seguidos foram estabelecidos de modo meteórico. A aposta de novos nomes, estimulada principalmente pela crise financeira que o país passa, fez e faz surgir talentos expressivos e que se vislumbram como fortes promessas para os próximos anos.
Por trás do truque: os bastidores da inesquecível apresentação da Unidos da Tijuca que transformou os rumos dessa década. (Foto: Dhavid Normando | Riotur) |
E isso não ocorre só na área visual. As baterias de agremiações também viram novos e talentosos mestres surgirem, como o Macaco Branco, na Vila Isabel, e Fafá, na Grande Rio. Não restritivo ao quesito musical, pode-se estender também aos casais de mestre-salas e porta-bandeiras, aos intérpretes e aos coreógrafos de comissão de frente que deram as caras. Falando, aliás, no grupo de abertura dos cortejos, nenhuma outra parte do desfile sofreu tantas mutações e discussões nos último anos como essa. Da mágica do “É Segredo!”, o casal Rodrigo Negri e Priscilla Mota estabeleceu um paradigma imponente, transformando o quesito em um verdadeiro show de abertura, movimentando o mercado atrás de truques de ilusionismo, super produções e elencos numerosos. Em contrapartida, após anos de tripés gigantescos, as comissões vêm se reinventando e apostando também no teor emocional e na carga apelativa de suas apresentações. Nessa maneira, podemos facilmente citar o marcante trabalho de Patrick Carvalho no Paraíso do Tuiuti, em 2018, o qual trouxe novos ventos aos ares puramente espetaculosos que pairavam pelas comissões e ainda pode dar frutos.
Paraíso do Tuiuti 2018: visão geral do desfile que marcou uma nova onda de enredos críticos. (Foto Fernando Grilli / Riotour) |
A relação com o poder público, sobretudo municipal, também definiu bastante dos rumos da década. Se no início destes anos, tivemos um governante fortemente identificado com a folia, que promoveu reformas em diversas quadras de escolas de sambas, além de uma remodulação profunda inclusive no palco principal dos cortejos. Assim, em 2012, veio a criação de novos módulos de arquibancada no Sambódromo, modelando um novo espaço cênico para os desfiles. Mas depois destes primeiros anos de bonança, tudo foi fortemente transformado com a chegada do novo prefeito carioca.
Historicamente apoiadas pelos governantes e estimuladas como protagonistas da cultura carioca, as escolas se viram ameaçadas e preteridas em meio a um projeto político excludente, predominantemente pautado em pastas religiosas, capitaneadas pelo atual prefeito-bispo. Após mais de oitenta anos, realizou-se o primeiro desfile das escolas do Grupo Especial sem apoio da prefeitura, fruto da mudança sócio-política que o pais enfrentou. O cenário conturbado transformou ainda os rumos de narrativas do grande divã nacional que é a Avenida. Se em 2013 quase todas as agremiações faziam seus temas em busca do esperado patrocínio, esse cenário se transformou completamente ao longo dos últimos anos. Após um longo hiato, os enredos autorais e principalmente os críticos voltaram à pauta com mais força do que nunca. E, se antes eram ainda relativizados, ganharam as primeiras posições, comprovando sua pertinência histórica – revivem uma das grandes frase de Fernando Pamplona, ao tirar da cabeça o que não se dá no bolso.
Se com os cofres mais vazios e enredos mais pertinentes as escolas de samba viram mudar seus conceitos artísticos e transformar suas comissões de frente, pode-se dizer também que a trilha sonora dos desfile se tornou muito mais gostosa de ser ouvida. Após anos de marasmo criativo e uma interminável busca pelo “ita perdido”, os sambas parecem ter encontrado os trilhos da criatividade e do gosto apurado. É inegável a transformação que o gênero seguiu desde 2012 com o inexorável “Madureira sobe o Pelô”. Mesmo que eventualmente tenham surgido alguns “bois com abóbora”, as safras musicais ganharam certo destaque durante esses anos e geraram obras antológicas para os anais momescos. Como nem tudo são flores, uma fervorosa discussão sobre a encomenda de sambas deu a tônica desde os meados da década. Se é uma proposta válida ou não é outra história, mas é algo que culmina discussões sobre os futuros das disputas de sambas e já gerou também grandes obras da nossa festa. Por fim, engana-se quem pensa que é privilégio do Grupo Especial uma boa trilha sonora. A Série A, desde a sua fundação em 2013, tem propiciado ótimos sambas – principalmente, quando nomes renomados do MPB apareceram por lá.
Marcante alegoria do carnaval mangueirense em 2020 chegando à Apoteose. (Foto: Riotur/Gabriel Nascimento) |
Ufa! Haja fôlego para tantas transformações. Se alguns problemas históricos persistem, boas novidades fascinam nossos olhos, mentes e ouvidos. Em meio às crises, apontamos sempre os problemas, mas não podemos perder o poder de nos fascinar com os fatores que são pulsantes: os artistas da dança, do canto, do ritmo, dos pincéis e das letras. Reinventa-se, assim, dia a dia, a festa – como disse Rosa Magalhães: “Escola de samba é uma coisa viva e está sempre em mudança. Se fosse estática, talvez ela estivesse em decadência”.
E em meio a um novo cenário mundial? Haverá carnaval em 2021? Como estará o mundo pós-pandemia da COVID-19? Por enquanto, apenas interrogações do que virá por aí figuram em nossos pensamentos. Enquanto isso, você pode conferir como as escolas de sambas estão se movimentando diante o cenário de isolamento social e reafirmando suas identidade sócio-culturais aqui.
Sem dúvidas, a #SérieDécada deixará saudades, mas fez uma importante leitura e um denso panorama de vários aspectos contidos nos anos desse recorte. Abaixo, você pode conferir todos os textos sobre o carnaval carioca que foram postados dentro dessa sequência:
- Os 10 desfiles mais marcantes do Grupo Especial do carnaval carioca
- Os 10 desfiles mais marcantes da Série A do carnaval carioca
- Os 10 melhores sambas-enredo do carnaval carioca
- As 10 maiores personalidades no carnaval carioca
- 10 desfiles esquecidos dignos de mais do que poucas memórias
- As 10 melhores comissões de frente do carnaval carioca da década
- Os 10 desfiles que foram verdadeiros delírios coletivo
- As 10 imagens mais marcantes do carnaval carioca na década