#BOLOEGUARANÁ: Fundamental para o carnaval desde a sua fundação, Portela chega aos 97 anos ainda sendo vanguarda

Por Bernardo Pilotto:

“No livro da nossa história tem conquistas a valer

Juro que nem posso me lembrar

Se for falar da Portela, hoje não vou terminar”

(“Passado de Glória” – Monarco)

Hoje é um dia especial para todas e todos que gostam de carnaval e de todo o complexo cultural que o envolve: foi nesta data que, em 1923, a Portela foi fundada. Maior campeã do carnaval, com 22 títulos, a Majestade do Samba chega aos 97 anos, continuando a ser uma escola de vanguarda. E essa é uma característica marcante da escola desde a sua fundação.

Originada como um bloco carnavalesco, o Conjunto Osvaldo Cruz, a agremiação ainda mudou de nome por duas vezes antes de ganhar o título de Portela, uma referência à estrada onde estava localizada. Depois de um curto período se chamando Quem Nos Faz É o Capricho, os sambistas adotaram Vai Como Pode como denominação. Mas, ao buscar seu registro oficial, tiveram que abandonar a expressão, visto que o delegado Dulcídio Gonçalves, responsável pela Delegacia de Costumes, considerou o nome inadequado. Ao perguntar de onde eram os sambistas, o delegado sugeriu então que a escola se chamasse Portela.

Sob a liderança de Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela, a agremiação teve papel de destaque na consolidação das escolas de samba e dos desfiles ainda nos anos 1930. Com grande poder de articulação, Paulo se tornou uma figura fundamental na negociação com os poderes instituídos, no diálogo com a imprensa e demais esferas com as quais as escolas precisavam conversar.

Paulo da Portela, um dos nomes mais importantes da história do samba e do carnaval. Foto: reprodução Acervo Portelense

Muito do carnaval que conhecemos hoje podemos colocar na conta dos portelenses. Foi, por exemplo, lá que surgiu o primeiro carro alegórico, em 1935, e também aquele que é reconhecido como o primeiro samba-enredo (Teste Ao Samba), em 1939. Até então, as escolas escolhiam um tema para o desfile e cantavam sambas que não necessariamente correspondiam ao tema. Parte deles era, inclusive, feita de versos de improviso. Mas, em 1939, os portelenses resolveram trajar os desfilantes com referências à educação e com isso tivemos de forma inédita um desfile com samba-enredo, fantasias e demais alegorias abordando o mesmo tema.

Com essa junção entre pioneirismo, grande capacidade de articulação e ainda um grupo de notáveis compositores, não é de se estranhar que a azul e branco tenha logo conquistado muitos títulos. No intervalo entre 1935 e 1960, a escola ganhou o carnaval por 15 vezes, incluindo aí um heptacampeonato nos anos 1940.

Nos anos e décadas seguintes, a Portela viu sua concorrência aumentar, com a entrada em cena na disputa por títulos do Salgueiro e posteriormente de Beija-Flor, Imperatriz e Mocidade Independente. Se nesses primeiros 25 anos a escola conseguiu 15 títulos, posteriormente foram “apenas” 7 títulos, com direito a grandes períodos de jejum.

A discussão sobre os rumos que a escola deveria seguir, muitas vezes feito num ambiente não exatamente democrático, foi responsável por algumas crises, como a que culminou na saída do grupo de Candeia em 1975 e outra que gerou a criação da Tradição em 1984.

Mesmo com momentos longe de seus melhores dias, a escola se manteve de pé. Além de seus sambas, criou identidade e referência pela presença da águia nos seus desfiles (desde 1968, a alegoria está presente), por grandes baluartes do carnaval (como Dona Dodô, Manuel Bam Bam Bam e Lucinha Nobre) e por sua velha guarda musical, tão caracterizada pela presença das pastoras (como Tia Surica e Tia Eunice). E, atualmente, podemos dizer que a Portela é vanguarda no processo de resgate do papel das escolas de samba como agremiações comunitárias.

A águia da Portela chegando à Apoteose no campeonato de 2017, após um longo jejum vivido pela agremiação. Foto: Gabriel Monteiro / Riotur

Hoje a Portela é uma escola que desfile porque existe e não o contrário. Em sua quadra acontecem eventos o ano todo, como a Feijoada da Família Portelense e o concurso de samba de terreiro, assim como cursinho pré-vestibular comunitário, aulas de idiomas, feiras literárias etc.

A escola também vem tendo papel fundamental na retomada do gênero samba-enredo. Em 2012, o enredo “…E o povo na rua cantando… É feito uma reza, um ritual…” foi acompanhado de um samba símbolo dessa retomada, pois trazia uma melodia mais cadenciada. E é muito simbólico que isso aconteça na agremiação que mais deixou sambas e sambistas como herança.

Sim, antes que esqueçamos, é importante lembrar que nem só dos 4 dias de carnaval e de seu desfile viveu a Portela ao longo desses 97 anos. É de lá que surgiram para o Brasil grandes nomes da nossa música. E, tantos outros, que de lá não surgiram, mas lá foram abrigados. Estamos falando de Heitor dos Prazeres, Alcides Malandro Histórico, Tia Surica, Antônio Caetano, Paulinho da Viola, Antônio Rufino, Monarco, João Nogueira, Teresa Cristina, Clara Nunes, Jair do Cavaquinho, Argemiro, Chico Santana, Zé Keti, Candeia, Waldir 59 e tantos outros. Como disse um deles, se hoje formos falar da Portela…

Comente o que achou:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja mais

Posts Relacionados

Projeto “Um carnaval para Maria Quitéria” valoriza a folia e conta com ilustrações de carnavalescos renomados

Projeto “Um carnaval para Maria Quitéria” valoriza a folia e conta com ilustrações de carnavalescos renomados

 A Jac Produções lança o projeto "Um carnaval para Maria Quitéria", que desenvolveu um estudo de desfile de escola de samba em homenagem a essa heroína da nossa independência. O

O aroma que vem da Glória: a alegria da MUG ao sabor de um samba inesquecível

O aroma que vem da Glória: a alegria da MUG ao sabor de um samba inesquecível

Arte de Julianna LemosPor Adriano PrexedesSejam bem-vindos de novo! Desta vez, nossa aventura sambística nos levará para outro destino: vamos até o Espírito Santo para conhecer a trajetória de uma

#Colablize: A infraestrutura do carnaval carioca hoje – o que precisa ser feito

#Colablize: A infraestrutura do carnaval carioca hoje – o que precisa ser feito

    Arte de Lucas MonteiroPor Felipe CamargoJá se tornou algo que os amantes do Carnaval carioca debatem e mencionam todos os anos. Com um misto de esperança, medo e reclamação,

A locomotiva azul e rosa: São Paulo nos trilhos do sucesso da Rosas de Ouro

A locomotiva azul e rosa: São Paulo nos trilhos do sucesso da Rosas de Ouro

Arte de Jéssica BarbosaPor Adriano PrexedesAtenção! Vamos embarcar numa viagem carnavalesca pela cidade que nunca para. Relembraremos uma São Paulo que, durante a folia, se vestia de cores vibrantes. De

ROSA X LEANDRO: Quando os carnavalescos ocupam as galerias de arte

ROSA X LEANDRO: Quando os carnavalescos ocupam as galerias de arte

 Arte por Lucas MonteiroTexto: Débora Moraes Rosa Magalhães e Leandro Vieira são os carnavalescos que mais tiveram seus trabalhos exibidos em exposições em instituições de arte. Além de colecionarem esse título,

A Lição da Mancha Verde: uma passagem pela história de persistência da escola e por um de seus desfiles históricos

A Lição da Mancha Verde: uma passagem pela história de persistência da escola e por um de seus desfiles históricos

 Arte de Lucas XavierPor Adriano PrexedesO ano era 2012, considerado por muitos um dos maiores carnavais da história do Sambódromo do Anhembi. A folia, geralmente, é lembrada pelo grande público

VISITE SAL60!

SOBRE NÓS

Somos um projeto multiplataforma que busca valorizar o carnaval e as escolas de samba resgatando sua história e seus grandes personagens. Atuamos não só na internet e nas redes sociais, mas na produção de eventos, exposições e produtos que valorizem nosso maior evento artístico-cultural.

SIGA A GENTE

DESFILE DAS CAMPEÃS

COLUNAS/SÉRIES