#BOLOEGUARANÁ: Instituição cultural das mais importantes, Império Serrano completa 73 anos diante de reflexões sobre seu futuro

Por Bernardo Pilotto:


Quando o Império Serrano entrou esse ano na avenida para desfilar na
madrugada do sábado de carnaval, 22/02, o mundo do samba se comoveu. O
trágico desfile, com direito a uma Ala das Baianas sem saias,
deixou inconformadas todas as pessoas que gostam de carnaval. Depois de dois anos com desfiles no
Grupo Especial que ficaram longe de sua tradição, o Reizinho de Madureira
voltava a Série A fazendo o pior desfile de sua história. 
Essa comoção toda veio mesmo depois da escola se apresentar em 2019 sem
samba-enredo – após a transformação de um clássico de Gonzaguinha, “O que é, o
que é”, em hino da agremiação – e com a bandeira longe do chão – após
seu casal de mestre-sala e porta-bandeira se apresentar em cima de um carro.
Veio mesmo depois da diretoria da escola (não só essa, como outras precedentes também)
já ter dado vários sinais de que não está à altura das tradições da
escola. 
E isso tudo tem um motivo: o Império Serrano não é uma escola qualquer!
“Serrinha, Congonha, Tamarineira
nasceu o Império Serrano
o Reizinho de Madureira”
(“Menino de 47” – Nilton Campolino / Molequinho)
Fundado há 73 anos atrás, em 23 de março de 1947, o Império Serrano
nasceu a partir de um grito pela democracia. Insatisfeitos com as decisões
antidemocráticas de Alfredo Costa, presidente da Prazer da Serrinha (agremiação
que até então aglutinava os sambistas da região), vários integrantes, como Mano
Décio da Viola, Silas de Oliveira, Tia Eulália e Sebastião Molequinho, optaram
por sair da escola e fundar o Império Serrano. 
À esquerda, Mano Décio da Viola. À direita, Silas de Oliveira. Dois dos maiores nomes do Império Serrano. Foto: Manoel Soares / O Globo
E essa movimentação se deu num lugar especial: o Morro da Serrinha. Ocupado
desde o início do século XX, era habitado por ex-escravos e moradores expulsos
do centro da cidade por conta das reformas urbanas. Muitos desses moradores
eram trabalhadores do porto do Rio de Janeiro e participavam dos sindicatos que
organizavam os estivadores na época. 
Além dessa ligação com o porto, o Morro da Serrinha contava com outra
característica muito peculiar: a prática do jongo. Originária da região do
Congo, na África, o jongo é uma dança de umbigada praticada junto ao toque de
tambores. O jongo começou a ser exercitado em terras brasileiras no Vale do
Paraíba e foram os ex-escravos dessa região que levaram a prática para a
Serrinha.  
Com esse caldo de cultura, o Império Serrano já nasceu como uma grande
escola. Já nos primeiros anos, foi tetracampeã (1948, 1949, 1950 e 1951) e se
consolidou como uma das gigantes do carnaval carioca. Depois desse começo
arrasador, a escola ainda foi campeã em 1955, 1956, 1960, 1972 e 1982, chegando
aos 9 títulos.
“Não me perguntes
Pra que samba eu vou
Porque eu direi
Que vou pro Império sim senhor
Sou imperiano na alegria e na dor”
(“Não Me Perguntes” – Mestre Fuleiro / Dona Ivone Lara / Darcy de Souza)
E não foram só os títulos que fizeram o Império Serrano ser reconhecido
como uma grande escola logo após sua fundação. Como representante do Morro da
Serrinha, a escola bebeu do que melhor havia por ali e foi também trazendo
inovações ao carnaval, como o uso do agogô, do prato e com a figura do destaque
de escola de samba. Além dessas inovações, a ala dos compositores da escola
sempre foi seu melhor cartão de visitas. 
Tradicional escola de Madureira defendeu o samba enredo pouco mais de dois meses após o AI-5
Imagem do desfile de 1969 do Império Serrano, em defesa da democracia logo após a decretação do AI-5, na ditadura militar. Foto: Arquivo O Globo.
Nos primeiros 25 anos da agremiação, conhecemos através dos seus
desfiles algumas das grandes obras do gênero, como “Exaltação a Tiradentes”,
“61 Anos de República”, “Aquarela Brasileira”, “Cinco Bailes da História do
Rio”, “Glória e Graças da Bahia”, “Pernambuco, Leão do Norte” e “Heróis da
Liberdade”. Como alguns dos autores dessas obras, estão Silas de Oliveira
(conhecido como o maior compositor de sambas-enredo de todos os tempos), Dona
Ivone Lara (a primeira mulher a fazer parte de uma Ala de Compositores) e Mano
Décio da Viola. 
Essa tradição se manteve posteriormente, com sambas como “Lendas das
Sereias”, Bumbum Paticumbum Prugurundum”, “Mãe Baiana Mãe”, “Eu Quero”, “Verás
que um filho teu não foge à luta” e “O Império do Divino” e nomes como Aluisio
Machado, Maurição, Beto Sem Braço e Arlindo Cruz. 
Além dos sambas-enredo, a Ala de Compositores verde-e-branco ficou
famosa também por seus sambas de terreiro, que animavam e movimentavam a escola
por todo o ano. Muitos desses sambas são cantados até hoje nas rodas de samba e
foram gravados por diversos sambistas. 
“Meus fãs vão chorar
saudades
Em não me ver no meu
grupo desfilar”

(“Fala Serrinha – A
Voz do Morro Sou Eu Mesmo Sim Senhor” – Beto Sem Braço / Maurição / Nei
Jangada)
Porém, toda essa força comunitária não foi suficiente para evitar com que
o Império Serrano enfrentasse graves crises, como a que se evidenciou no
carnaval desse ano. Com algumas gestões desastrosas, a escola conviveu com
rebaixamentos e desfiles que não trazem boa memória, especialmente a partir dos
anos 1980. 
A fase de altos e baixos coincidiu com a chegada de outras escolas ao
panteão das campeãs do carnaval carioca, como Beija-Flor, Imperatriz e
Mocidade. Com a ascensão dessas agremiações e as mudanças produzidas a partir
desse momento no carnaval, o Império ficou dividido entre se super-modernizar
ou entre manter as tradições. Sem tomar uma decisão por uma das opções ou ainda
tentando criar uma identidade própria, a escola foi cada vez mais se ausentado
das primeiras colocações. Depois, do Desfile das Campeãs. Posteriormente, foi
ficando ausente do Grupo Especial, até chegar ao ponto de lutar para não
cair
para a terceira divisão no carnaval de 2020.
Em todos esses anos, o Império sempre mostrou sua força quando olhou
para si e valorizou suas tradições. Foi assim com o desfile sobre a reforma
agrária em 1996, quando alcançou o sexto lugar no Grupo Especial, sua melhor
colocação nos últimos 30 anos. Outros exemplos são os desfiles de 2012 e 2016,
quando homenageou baluartes da escola (Dona Ivona Lara e Silas de Oliveira,
respectivamente). Ou ainda podemos citar o desfile de 2017, quando ganhou a
Série A homenageando o poeta Manoel de Barros. 
Contrastando com isso, estão desfiles com temas absolutamente comerciais
(como o enredo com Beto Carreiro no cinquentenário da escola em 1997 ou ainda
sobre a China em 2018) ou tentativas de inovação que não deram certo, como o
desfile de 2019, quando optou por desfilar com um sucesso da MPB que nem pode
ser enquadrado como samba-enredo, como citado.
Em todos esses anos, também observamos que o Império Serrano teve
eleições conturbadas e gestões que desprezaram sua própria comunidade. Ainda
que seja comum ouvir o contrário por aí, não foi o fato de ser uma escola
nascida de um grito pela democracia que a afundou e sim o contrário. 
Para que no seu próximo aniversário tenhamos mais motivos para
comemorar, o caminho não parece difícil de entender: reconectar-se com suas
bases e tradições, apostando na democracia como um valor fundamental. Com
eleições em maio, esse é um caminho possível para o Império trilhar, para que
em 2021 a comoção venha por um baita desfile e não pelo risco de rebaixamento.

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