#BOLOEGUARANÁ: Símbolo do bairro que transborda música e boemia, Unidos de Vila Isabel completa 74 anos

Por Bernardo Pilotto:

Em 04 de abril de 1946, há 74 anos atrás, foi fundada uma das mais simpáticas e queridas escolas de samba do Brasil: a G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel. A branca e azul nasceu a partir da articulação de Seu China, que havia se mudado há pouco tempo do Morro do Salgueiro para o Morro dos Macacos e achava que o bairro merecia uma escola de samba para representá-lo.

“Afinal, eu sou filho dessa terra das calçadas musicais

Me inspirei na boemia pra buscar meus ideais

Bate forte no meu peito minha Vila Isabel

O meu samba é de respeito, sou do bairro de Noel”

(“Filho da Vila” – Dinny da Vila / Gilson Bernini)

E Seu China tinha razão: a Vila Isabel já era, naquela época, um bairro com grande tradição carnavalesca e musical. Por suas ruas desfilavam blocos (como o Acadêmicos da Vila), aconteciam batalhas de confete e outras manifestações típicas das festas de Momo. Fundar uma escola de samba parecia um caminho natural, só faltando alguém que liderasse o movimento. E foi esse o papel desempenhado por Seu China e outros sambistas, como José Ferreira Leite, Paulo Brazão, Dulcineia Gomes de Aquino e Tuninho Carpinteiro.

Martinho da Vila extasiado com a apresentação de sua escola Foto: Gabriel de Paiva / O Globo
Martinho da Vila na Apoteose, após o ótimo desfile de 2012 da Unidos de Vila Isabel em homenagem ao país de Angola.

O bairro de Vila Isabel, no começo do século XX, era um território com muitas fábricas e pequenas vilas de casas onde moravam os operários que lá trabalhavam. Faziam também parte do bairro o Morro dos Macacos e o Morro do Pau-Bandeira. Surgido a partir da iniciativa do Barão de Drummond, de 1872, o bairro contava com uma estrutura urbana moderna para os padrões da época, com avenidas grandes e bondes de tração animal.

A tradição musical do bairro também era conhecida por conta da presença de uma das grandes figuras da música brasileira: Noel Rosa. Um dos responsáveis pela consolidação do samba como gênero musical que conhecemos hoje, Noel, nascido em uma família de classe média, circulava bastante entre os morros do Rio de Janeiro, sendo frequente sua presença no Morro da Mangueira e no Morro de S. Carlos (no bairro do Estácio). Sua obra e sua presença contribuíram para esse caldo de cultura que possibilitou a fundação da escola de samba. Mesmo nunca tendo sido parte da escola (o poeta da Vila morreu cerca de 10 anos antes de sua fundação), Noel continua sendo até hoje uma referência para a agremiação.

“Foi num quatro de abril

Três dias depois da mentira

Que o poeta descobriu

Seu amor e sua lira

Com alguém se reuniu

Com ação de quem conspira

Mas fundou com devoção

A escola de samba da Vila”

(“Quatro de Abril” – Nelson Afonso Nogueira Junior / Wilson Caetano)

Nos seus primeiros anos, a escola ficou em colocações intermediárias, chegando a desfilar no terceiro grupo. Em 1965, a agremiação conquistou o acesso e voltou para a elite do carnaval. Mas outro fato foi mais importante para a Vila Isabel naquele ano: a chegada de Martinho José Ferreira aos quadros da escola.

Oriundo da Aprendizes da Boca do Mato, Martinho da Vila foi responsável por diversas mudanças que aconteceram na Vila Isabel e no carnaval de forma geral. Ele, por exemplo, mudou a forma de compor do samba-enredo à época, inspirando-se na forma com que já compunha seus outros sambas, propiciando versos mais leves e suaves. Logo em seu início na nova escola, Martinho emplacou 4 sambas-enredos, de 1967 a 1970.

Mais do que um compositor, Martinho passou a ser uma grande liderança da escola, com papel decisivo na definição de vários enredos, incluindo o que levou a escola a seu primeiro título, em 1988. Com seu sucesso enquanto compositor e cantor de sambas, levou o nome da escola e do bairro para o Brasil e ao mundo.

Além desses primeiros 4 sambas-enredo para a escola, a Unidos de Vila Isabel desfilou com sambas de Martinho em mais 7 ocasiões, sendo a última em 2016. De certa forma, a história de Martinho e da escola passaram a se confundir.


“Vamos renascer das cinzas

Plantar de novo o arvoredo

Bom calor nas mãos unidas

Na cabeça de um grande enredo”

(Renascer das Cinzas – Martinho da Vila)

A chegada de Martinho mudou a prateleira da Vila Isabel, fazendo com que a escola passasse a ser mais respeitada e fosse reconhecida como uma das grandes escolas de samba cariocas. Mesmo assim, ela ainda não disputava as primeiras posições do carnaval e, em 1978, chegou a ser rebaixada.

Com a volta ao grupo principal em 1980, a Vila conquistou o vice-campeonato, sua melhor posição até então. A escola seguia angariando simpatia pelos seus enredos e pela qualidade dos seus sambas. Mas faltava chegar ao topo do carnaval. 

Desfile da Unidos de Vila Isabel em 1988 (Foto: Agência O Globo)
Abertura do apoteótico desfile da Unidos de Vila Isabel de 1988. Foto: Agência O Globo.

Foi aí que veio o carnaval de 1988, um dos desfiles mais emblemáticos do carnaval carioca de todos os tempos. Com o enredo “Kizomba, A Festa da Raça”, no ano do centenário da abolição, a agremiação ganhou seu primeiro título, quando já tinha quase 42 anos de estrada. Um título que é emblemático não só pelo seu desfile ou pela disputa palmo a palmo com a Mangueira (que quase foi tricampeã também com um enredo sobre os 100 anos da abolição), mas todo o processo que envolveu a preparação do carnaval, em um momento no qual a Vila se encontrava diante de uma grave crise financeira, não tendo nem quadra para organizar seus ensaios.

Após esse ápice, a escola se consolidou entre as grandes. Ao longo da década seguinte, apresentou grandes carnavais, como a sua homenagem ao seu bairro em 1994. No começo dos anos 2000, voltou a desfilar no Grupo de Acesso. Sua volta ao Grupo Especial em 2005 veio também com um novo gás na escola, que conquistou mais dois títulos, em 2006 e 2013, além de disputar o título em outras ocasiões.

Nesses anos todos, a Vila se firmou como uma das principais forças do carnaval carioca, solidificando uma grande torcida, que envolve todo o bairro onde está localizada, aglutinando tanto moradores dos morros e também do asfalto. Certamente é uma das agremiações em que essa relação entre seu território e a escola mais se confunde, de forma umbilical.

Para 2021, a escola já anunciou que Martinho da Vila será seu enredo, o que traz grande esperança de que veremos, mais uma vez, a escola com um grande desfile e um grande samba.

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