#Colablize: o carnaval nos programas de governo nas candidaturas à prefeitura do Rio de Janeiro

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por Jader Moraes
Qualquer debate público sério sobre o Rio de Janeiro passa, obrigatoriamente, pelo debate sobre o carnaval carioca, em seus múltiplos significados e manifestações.
Data de 1933 a primeira medida de apoio do poder público às escolas de samba, que a partir daquele ano passaram a fazer parte do Programa Oficial do Carnaval da prefeitura do então Distrito Federal. São, portanto, quase noventa anos de uma relação formalmente instituída entre as escolas e a gestão pública municipal. Com avanços e retrocessos, de forma mais ou menos amistosa em cada período, mas uma relação contínua.
Antes mesmo da década de 1930, quando as escolas de samba começam a despontar para um futuro em que seriam protagonistas do carnaval na cidade, os dias de festa já recebiam ampla atenção do poder público, seja para reprimir as populares brincadeiras do entrudo, desde o século 17, seja para incentivar bailes e desfiles que emulassem uma folia à moda europeia. Ou seja, o carnaval está na agenda pública do Rio de Janeiro desde que aportou nessas terras.
Nos últimos anos, a relação entre prefeitura e agremiações do carnaval foi marcada por tensões crescentes. Da campanha eleitoral, em que o atual prefeito prometeu apoio e recebeu o endosso dos dirigentes das escolas de samba, até o momento atual, quando a prefeitura cortou o repasse financeiro direto e realizou propaganda para criticar as agremiações e o carnaval carioca na televisão, foram quatro anos de um conflito aberto, com ampla repercussão em diferentes segmentos econômicos e culturais da cidade. Natural, então, que o carnaval ganhe ainda mais relevo no debate que se inicia sobre os rumos do município nos próximos quatro anos. 
A campanha eleitoral começou há duas semanas, em todo o país. São 14 candidatos à prefeitura do Rio. Nesse texto, tentarei resumir o que dizem os candidatos sobre o carnaval em seus programas oficiais, registrados no TSE. Vou me limitar às questões referentes às escolas de samba, por ser o universo com o qual estou mais familiarizado, mas coloco ao fim de cada parágrafo o link para o programa de cada candidato. Dos 12 programas registrados no TSE, sete trazem propostas relacionadas a essa manifestação fundamental da nossa cultura. Vamos a eles:
Comecemos pelo atual prefeito, Marcelo Crivella (Republicanos), candidato à reeleição e protagonista na complexa relação recente do poder público municipal com as escolas de samba, já referida acima. Seu programa de 55 páginas menciona por seis vezes o carnaval, mas em geral faz referência às ações realizadas durante a última gestão; não há qualquer proposta para o carnaval em um eventual novo mandato. Entre ações bem-sucedidas listadas no programa, o documento destaca a redução gradativa da subvenção das escolas de samba, ressaltando a captação com a iniciativa privada para a festa. Também lembra que o Rio bateu o recorde de turistas durante os carnavais de 2019 e 2020 e destaca o carnaval, ao lado do réveillon, como eventos de maior envergadura do calendário turístico da cidade. Sobre 2021, trata o adiamento como iminente e reafirma que, em relação aos desfiles de escola de samba, o dinheiro público deverá ser utilizado apenas para os desfiles da Intendente Magalhães. O documento defende ainda que a prefeitura fez alto investimento para adequação do sambódromo à legislação, frisando o potencial de divulgação turística da cidade por meio da “Passarela do Samba”. O documento trata do carnaval como a maior festa popular do mundo, que envolve “muito trabalho de milhares de cariocas durante o ano inteiro”. Veja a íntegra clicando aqui.
(e aqui me permito um parêntesis para fazer um questionamento, o único em todo o texto: se é a maior festa do mundo, que gera empregos, é fundamental para o turismo da cidade e atrai recorde de visitantes – atributos elencados pelo próprio documento oficial da campanha de reeleição de Marcelo Crivella -, por que a estratégia de combate a essa manifestação cultural nos últimos quatro anos? Se o motivo não é econômico, como tantas vezes alegado, qual a razão?)
Sigamos:
No programa da Benedita da Silva (PT), o carnaval não compõe um item específico. Ela critica a obsessão de Crivella de “destruir a maior de nossas festas”. A proposta mais clara está na área do Turismo: eventos ao longo do ano, visando a geração de emprego para os profissionais e artistas da festa. O programa também fala da criação de políticas públicas em parceria com as escolas e rodas de samba, dentro do eixo antirracista da proposta, e de estimular as cadeias produtivas específicas da economia solidária, entre elas a do samba. Veja a íntegra aqui.
Clarissa Garotinho (PROS), em sua proposta, diz que em seu governo o carnaval será respeitado e tratado como manifestação cultural, incentivado e apoiado pela administração pública. Ela propõe a realização de parceria com os técnicos do carnaval para criação de oficinas de formação de figurinistas, aderecistas, cenógrafos, escultores etc., com o objetivo de formar uma nova geração de artistas. Veja a íntegra aqui
O programa da candidata Glória Heloiza (PSC) menciona que porá fim à guerra entre prefeitura do Rio e escolas de samba, reconhecendo o carnaval como a festa mais importante para a economia da cidade e garantindo apoio à mesma. O documento também diz que a administração do sambódromo será repassada de volta ao governo estadual. Veja o programa completo clicando aqui
As propostas do Luiz Lima (PSL) para o carnaval são mais numerosas, e estão presentes em diferentes áreas dentro do documento: Comércio e Serviços; Turismo; Cultura; Esportes. A primeira proposição é controversa: a privatização da Cidade do Samba e do Sambódromo. A proposta está colocada dentro do eixo de Comércio e Serviços e o documento não entra em detalhes sobre esse ponto. Há uma página específica sobre carnaval, com muitas propostas: construção da Cidade do Samba 2 – um espaço destinado às escolas da Série A –, volta dos ensaios técnicos, apoio financeiro às escolas, uso do sambódromo o ano inteiro, apoio aos desfiles da Intendente Magalhães… em resumo, um check das demandas das escolas nos últimos anos. Por fim, fala da utilização das quadras para a oferta de atividades e serviços pela prefeitura e inscreve a atividade carnavalesca no plano de incentivo à indústria criativa. Veja a íntegra clicando aqui.
O plano mais completo sobre carnaval está presente na proposta de Martha Rocha (PDT). O texto faz diagnóstico amplo e, recorrendo à “relação íntima” do PDT com a história recente do carnaval, ancorada na construção do sambódromo, propõe “uma plataforma trabalhista para o carnaval do Rio”. O documento reconhece a importância econômica do carnaval, mas especialmente o valor cultural e identitário, e propõe o desenvolvimento de “uma política permanente, de Estado, para o carnaval do Rio, que não esteja sujeita às vicissitudes da política municipal”. É um programa que tem forte atenção ao trabalho nos barracões – o combate ao trabalho precário é, inclusive, uma das contrapartidas para a subvenção às escolas, que o programa assume o compromisso de retomar. 
A candidata também propõe construir a Cidade do Samba 2 e fala da criação de um “circuito do carnaval” e de um novo museu do carnaval. Duas propostas me chamaram a atenção: uma diz sobre a utilização das escolas de samba na área da educação, como forma de estimular a aplicação da Lei 11.645, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história da África e da cultura afro-brasileira nas escolas; e outra pretende instituir, em parceria com instituições públicas de ensino superior da cidade, um programa de formação em gestão do carnaval e direção artística para mulheres, com objetivo de reduzir as disparidades entre homens e mulheres na condução do carnaval. Enfim, é uma proposta robusta, que vale a pena ser lida, por colocar o carnaval em um eixo central para se pensar a cidade, de forma transversal. O samba está elencado em um dos seis projetos prioritários da candidatura, chamado Porto Cidade Criativa. Veja a íntegra clicando aqui
O programa da candidata Renata Souza (PSOL) traz as propostas para o carnaval sob um grande guarda-chuva: o Plano Municipal de Democratização do Carnaval, que contém 49 proposições, boa parte delas destinada ao carnaval de rua (registro que esse foi o programa que mais atenção destinou a outras manifestações carnavalescas, que não apenas o desfile das escolas de samba). Algumas propostas são mais estruturantes: transferência do carnaval da Riotur para a Secretaria de Cultura, criação da Subsecretaria Municipal de Carnaval e do Conselho Municipal do Carnaval da Avenida. Há outras propostas mais tópicas, que já apareceram em candidaturas anteriores do partido ou nos relatórios da Comissão Especial de Carnaval na Câmara Municipal, também coordenada pela sigla: da reforma do sambódromo à construção da Cidade do Samba 2; da segurança das alegorias à volta dos ensaios técnicos; trata até com alguma minúcia das condições de trabalho para os jornalistas na avenida. Sobre a subvenção, não está explícito o retorno, mas alguns itens indicam essa disposição: um deles prevê audiências públicas para definição da gestão dos recursos públicos destinados às agremiações, e outro propõe diminuir a disparidade do apoio entre os grupos. 
O documento trata ainda da utilização das quadras como equipamentos culturais dos bairros e põe a mão em um vespeiro, ao defender o fim da exclusividade na transmissão televisiva, com a garantia de que os canais educativos possam transmitir sem pagar pelos direitos. Vale destacar que o programa geral da campanha tem 15 propostas centrais, em diversas áreas. Uma delas propõe integrar a rede de ensino com as escolas de samba, associando disciplinas formais “ao universo de múltiplos saberes das agremiações”. Clique aqui para ver o programa completo.
Por fim, vale uma menção ao programa do Eduardo Paes (DEM), candidato melhor posicionado nas pesquisas e considerado favorito na disputa, angariando o apoio de boa parte do mundo do samba. No site do TSE, está registrado apenas uma versão preliminar, que contém uma lista com 12 “objetivos centrais”. Nele, não há nenhuma linha sobre cultura. No site do candidato, além desse programa preliminar, há propostas em seis grupos: Saúde, Educação, Segurança Pública, Emprego e Renda, Transportes, Demais Áreas. Novamente, nenhuma referência ao carnaval. Nem mesmo em seu Plano dos 100 dias (em tese, o carnaval acontece dentro desse período). Os demais candidatos não mencionados também não apresentam propostas referentes ao carnaval na disputa à prefeitura ou não registraram seus planos no TSE até o dia 05 de outubro, quando foi realizada a consulta. 
Como já dito no início desse texto, o carnaval sempre teve relevância nas discussões sobre a gestão pública municipal, por ser um evento que impacta de forma profunda o espaço público da cidade; que marca a identidade construída sobre o Rio; que envolve amplos segmentos do tecido social carioca; e que movimenta milhões de reais ano após ano, não só nos quatro dias oficiais, mas em incontáveis atividades ao longo dos meses, em todas as regiões da cidade. Assim, qualquer debate público sério sobre o Rio de Janeiro passa, obrigatoriamente, pelo debate sobre o carnaval carioca, em seus múltiplos significados e manifestações. Em qualquer tempo, mas especialmente nesse momento mais agudo em que valores democráticos, entre os quais o respeito à diversidade e à cultura popular, estão sob constante ameaça. 
Jader Moraes é jornalista e amante de carnaval. Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense, atualmente trabalha com jornalismo econômico, na Gerência de Comunicação da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE)

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