De pai para filho: O batuque que atravessa gerações

Por Beatriz Freire, Felipe de Souza e Vitor Melo

Pai
Aquele que tem um ou mais filhos.
Gerador; genitor; progenitor. Criador; autor. Protetor, benfeitor.

Pai, a essência humana na forma de homem. De surdo, repique e tamborim. De escolas, de samba e, até mesmo, de sangue. Hoje é dia de homenagear aquele que, por muitas vezes, nos levou pros ensaios e desfiles, apresentou-nos ao amor de nossas vidas e, hoje, comemora mais um dia com aquele churrascão ao som de muito samba-enredo.
Para exaltar, é preciso muitas vezes se recordar de pais que lá de cima olham por nós. Igor Vianna, intérprete da Alegria da Zona Sul e filho do inigualável Ney Vianna, conta como a influência de seu pai o levou para o mundo do samba, além de reverenciar a figura daquele que defendeu o pavilhão da Mocidade Independente de Padre Miguel por duas décadas.

Igor conta que a relação com seu pai era boa e que Ney não queria que o filho se inserisse no mundo do samba, apesar de perceber que ele teria futuro. Quando ele se foi, no ano de 1989, Igor tinha apenas 10 anos mas já enxergava no pai uma fonte de inspiração, diz ele. “No pouco tempo que ele teve, ele me ensinou tudo que podia ensinar”, completa.

Sobre o questionamento de ter sido influenciado ou ter resistido ao samba em algum momento, o intérprete conta que o pai não o instigava a gostar de carnaval, pois não queria os filhos neste meio; “ele achava que era um mundo cruel e não queria para os filhos os sofrimentos pelos quais ele passou”. O resultado disso foi que todos os filhos, exceto Igor, terminaram afastados do mundo do samba. Com quase 15 anos de carreira, ele relembra que seu maior exemplo veio de casa, embalado pela voz de Ney cantando: “ao ver o meu pai no microfone, eu, ainda criança, descobri que era aquilo que eu queria”.

Recordando-se de alguns bons momentos na companhia de seu pai, ele cita os momentos em que estava no bar cujo Ney era dono, ao lado da quadra da Mocidade, e quando ia aos ensaios às quartas-feiras, pois “começava mais cedo”, adiciona o cantor; Já emocionado, recorda-se também de músicas que o pai gostava de ouvir, como “São José de Madueira” e “Todo Menino é um Rei”. “Lembro dele quando toca uma música do Almir Guineto que diz: ‘Ô Zé, deixa estar no candeeiro/que o terreiro está/iluminado pela lua/pela lua, Zé, pela lua’. Lembro dele quando escuto Beto Sem Braço, que era muito amigo do meu pai”.
Concluindo, Igor destaca a saudade de seu pai, aquele que lhe transmitiu o dom de cantar e encantar na Sapucaí, “sempre me vem uma lembrança acompanhada de uma saudade boa. Ele estaria orgulhoso, pois quando viu que eu seguiria seus passos, me ensinou tudo que podia e por isso sou muito grato por tudo que ele fez por mim. Sinto muito a falta dele.”
O grande intérprete Ney Vianna.
Saindo da voz e da harmonia, com destino traçado ao baticum inconfundível de uma escola de samba, aterrissamos na batida furiosa do morro do Salgueiro, mais precisamente, na ala de chocalhos, considerada, por muitos, a melhor do carnaval carioca, da Academia do Samba.
O embalo da alvirrubra é comandado com maestria por Mestre Marcão e pelo swing inconfundível das tranças de Markinhos, que nos contará um pouquinho de sua trajetória e de sua relação com aquele que o gerou.
Quando criança, Markinhos desfilava pela Aprendizes do Salgueiro, escola mirim da vermelha e branca tijucana, seus primeiros passos no universo momesco. Para ele, aquilo tudo não passava de diversão, o que era natural para uma criança de 6 anos. Foi com pouca idade, entretanto, que se deu conta de que se interessava pelo universo dos paetês e purpurinas. Em 2006, já nos preparativos para o desfile de Candaces, Markinhos se viu frequentando assiduamente a comunidade e a quadra de seu torrão amado. Embora já vislumbrasse desfilar na Furiosa e contasse com o apoia das diretoras da ala de chocalhos à época, contava com a resistência do pai e mestre Marcão.
“As diretoras chocalho eram todas a favor de que eu desfilasse, queriam que eu saísse na ala com elas e foi uma confusão muito grande porque justamente e apenas ele, a pessoa principal, era contra e no final era ele quem mandava, já que era o mestre.”
E o tempo passou, até que os dias da folia estavam se aproximando… “No dia de entrega das fantasias eu peguei meu saco e levei pra casa, muito feliz. Quando abri, era uma fantasia da ala das crianças da escola, não era uma roupa de ritmista da bateria, o que foi uma frustração muito grande para mim.” Mas isso não ficaria assim depois de uma pirraça, com direito a “auê pelo telefone”, como disse ele, saiu o mestre de bateria e entrou o paizão. “Liguei para o meu pai, até que finalmente me falou para ir buscar minha roupa da bateria porque eu não desfilaria mais na ala das crianças depois do auê que fiz pelo telefone” – risos.
Além de ceder à vontade do filho e de suas diretoras, a relação entre os dois foi fortificada e estreitada com a entrada de Markinhos na bateria. “Foi a partir disso que nossa relação ficou mais forte e que o samba deixou de ser uma diversão e virou trabalho; As diretoras saíram após o carnaval de 2011 e em 2012 eu assumi o comando da ala.” Houve aquela resistência por parte de Markinhos, que acabou aceitando no final. “A princípio, eu não queria concordar mas a escola precisava de alguém, então me pediram e eu acabei aceitando o cargo de diretor.” E pra separar a figura de pai para mestre da Furiosa? Será que foi fácil no início? “Dentro da quadra ele me trata como faz com todo mundo; se tiver que dar esporro, ele vai dar e se tiver que elogiar, ele vai elogiar. No começo, foi complicado separar meu pai do Mestre Marcão.” e completa “sabemos separar bem a vida profissional da pessoal, isso é o mais importante e fundamental!”
Nem tudo são só rosas, ou, melhor dizendo, notas dez! Markinhos lembra do momento “mais memorável”, como disse ele, ao lado do pai: “em 2015, quando saíram as notas e a bateria levou 9.9.  Quando veio a justificativa, tiraram um décimo do chocalho. Ele me ligou, dizendo que tudo estava tranquilo, que o trabalho que eu tinha feito tinha sido 100%, enfim… disse que era esquecer o que aconteceu e pensar no próximo ano!”. Foi o lado pai do mestre Marcão entrando em cena naquele momento! Tirou dez, hein, mestre!?
Com certeza, não foi a primeira vez em que Markinhos ouviu esse questionamento, mas também queríamos saber… Será que ele pensa em seguir a trajetória do pai até ao posto de ser mestre da bateria? “Eu espero que o futuro me surpreenda, pode ser que eu fique no lugar dele, como pode ser que não. Eu não tinha o intuito de fazer do samba uma coisa profissional, mas aconteceu… se tiver que ser, será!”.
No mais, apenas um recado no de pai pra filho, isto é, de Markinhos pra Marcão: “eu sou seu maior fã!” (Como ele disse sempre dizer ao mestre). Só pra deixar claro, também somos, Marcão!
Sabemos da existência de diversas outras histórias de pais e filhos do mundo do carnaval, esperamos que consigamos homenageá-las, assim como todos os pais que nos acompanham.
O Carnavalize deseja um feliz dia dos pais a todos;
Aos de sempre,
aos de samba,
aos de sangue.

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