Raízes da Garoa: As peculiaridades da dança no carnaval paulistano

 

Texto: Juliana Yamamoto
Revisão: Luise Campos
No mês de outubro, mergulhamos na folia paulistana, conhecendo suas características e identidade que se expressam nos desfiles das escolas de samba que vemos atualmente. Passeamos pela origem dos cordões carnavalescos com Camisa Verde e Branco e Vai-Vai, compreendemos a influência das festas do interior nos sons da bateria e dos sambas-enredo, entendemos como se construiu a estética visual dos desfiles e, para encerrar a série Raízes da Garoa, abordaremos as peculiaridades que envolvem a dança no carnaval paulistano, mais precisamente os quesitos de mestre-sala e porta-bandeira e comissão de frente. 
Como já citado no nosso primeiro texto, no qual abordamos a origem da festa em São Paulo, antes do surgimento das escolas, os primeiros agrupamentos carnavalescos foram os cordões. Neles, a figura que mais se “aproximava” da formação de mestre-sala e porta-bandeira como conhecemos hoje era a porta-estandarte e o baliza. O estandarte era uma espécie de “bandeira” que representava e identificava o cordão que estava se apresentando. Como era muito comum a prática da captura ou destruição do estandarte adversário por integrantes de outros cordões, existia a figura do baliza, que tinha como função proteger e defender este símbolo. Com o passar dos anos e o surgimento das escolas de samba, com a devida oficialização dos desfiles em 1967 pelo prefeito José Vicente Faria Lima, iniciou-se um processo de padronização inspirado nos desfiles cariocas, fazendo com que os cordões fossem extintos e alguns elementos que eram presentes nesses grupos tiveram que ser adaptados, surgindo assim o casal de mestre-sala e porta-bandeira.
Casal de mestre-sala e porta-bandeira dançando no Anhangabaú em 1973. (Foto: Eder Chiodetto – Folhapress)
Assim como os sambas-enredo e baterias que receberam forte influência das festas do interior do Estado, a dança também adquiriu características desses folguedos populares. Considerados como os ancestrais do samba paulistano, o samba de bumbo (de Pirapora) e o samba-lenço (caipira), eram manifestações presentes nas festas e caracterizavam muito a dança dos seus integrantes, que seriam vistas posteriormente nos cordões carnavalescos e, em seguida, nas escolas de samba. As danças, naquela época, guardavam traços que se aproximavam do jongo e do batuque. A influência dessas manifestações populares foi tão forte que influenciou na dança do casal de mestre-sala e porta-bandeira e criou algumas peculiaridades. Apesar de a função ser a mesma, ou seja, a de carregarem o símbolo maior de uma agremiação com os devidos movimentos obrigatórios, a dança do mestre-sala do Rio de Janeiro está muito relacionada aos arquétipos do boêmio e do malandro. Já em São Paulo está ligada à figura do caipira e da roça, remetendo ao estilo peculiar de dança que se fazia em Pirapora e em outras cidades rurais. Isso influencia no famoso riscado (jogo de pernas) do mestre-sala e sua característica ao bailar. Já em relação as porta-bandeiras, pode-se perceber uma maior influência do estilo europeu na Terra da Garoa. No Rio, as danças negras tiveram um peso muito forte no bailado. 
Uma criança de 9 anos imitando os movimentos de mestre-sala no intervalo dos desfiles das escolas na Avenida Tiradentes em 1988. (Foto: Sergio Tomisaki – Folhapress)
Não é só na origem que há peculiaridades envolvendo a dança do mestre-sala e porta-bandeira em São Paulo. Há alguns pontos que valem a nossa atenção e que, às vezes, passam despercebidos por nossos olhos. Na Terra da Garoa, além do pavilhão oficial que o primeiro casal carrega, há o pavilhão de enredo. Nele há o logotipo do enredo (tema) que a escola apresentará na Avenida. Além disso, os outros pavilhões não precisam necessariamente serem iguais ao oficial, podendo ser os antigos da agremiação ou até mesmo apresentar cores diferentes. Outro fato curioso é que em terras paulistanas há o costume de se chamar o maior símbolo de uma agremiação de pavilhão, enquanto no Rio de Janeiro intitula-se apenas bandeira. Por fim, o tradicional movimento que grande parte das porta-bandeiras fazem nos ensaios de quadra ou até mesmo nos desfiles, o de se curvar e abaixar seu corpo, é proibido em São Paulo. Caso realizem esse movimento durante a apresentação para os jurados, possivelmente serão perdidos décimos. Isso não é permitido porque a porta-bandeira é vista como uma grande “rainha” e, por ostentar o maior símbolo, não pode se curvar perante os demais. Além desse ponto, o julgamento do quesito é avaliado da seguinte forma: entrosamento (integração do casal), postura do casal (a forma de conduzir e apresentar o pavilhão) e integridade das fantasias (verificar se a indumentária está totalmente completa, sem tecidos rasgados ou adereços quebrados). O julgamento é muito objetivo e o casal precisa evoluir por toda pista, sem parar em frente à cabine julgadora como no Rio. Assim, o jurado avaliará até onde seu campo de visão permitir. 

Passistas da Unidos do Peruche no carnaval de 1974. (Foto: Folhapress)
Já a comissão de frente tem como principal função apresentar a escola e saudar o público durante o desfile. Por muitos anos, essa “ala” não apresentava coreografias e grandes fantasias, porém com a modernização dos desfiles, esse quesito se modificou. Em São Paulo, a partir da década de 1990, ele passou a incorporar características típicas do teatro e balé, recebendo forte influência das escolas cariocas. A Imperatriz Leopoldinense, em 1979, e posteriormente a Mocidade Independente de Padre Miguel, em 1991, foram as primeiras a mudar a apresentação tradicional da comissão de frente. O resultado deu tão certo que a ideia aos poucos foi sendo introduzida no carnaval paulistano. Algumas agremiações, nos primeiros anos, resistiram e foram resistentes à ideia de trazer a ala coreografada. Porém, com as sucessivas notas baixas, acabaram se adequando ao novo “padrão”. 
Esse quesito não possui tantas diferenças na dança com relação às agremiações do Rio de Janeiro. Na verdade, o que mais se distingue é o julgamento e a evolução da ala durante o desfile da escola. Enquanto em terras cariocas a comissão se apresenta durante 1 a 2 minutos em frente à cabine julgadora, na Terra da Garoa, a ala evolui por toda a Avenida. Além disso, por não pararem em determinados momentos do desfile, a comissão em São Paulo acaba tendo um impacto menor no público que no Rio. Já tivemos vários casos na Cidade Maravilhosa em que o quesito impressionou e encantou a plateia a ponto de ser o fator principal para que determinada escola alcançasse um grande desfile. O caso da Unidos da Tijuca em 2010 é um dos mais emblemáticos. Como isso não é comum em São Paulo, também acaba influenciando no pouco uso de efeitos especiais nas fantasias dos componentes ou tripés das comissões paulistanas. Já em relação à avaliação, são observados 3 pontos: fundamento (a ala precisa realizar sua função durante o desfile: saudar o público, apresentar a escola e manter a ligação com o cortejo), plástica artística (qualidade visual da apresentação e sua criatividade) e acabamento (integridade das fantasias, adereços e elementos cenográficos de acordo com o que foi apresentado na pasta para os jurados). 
E chegamos ao fim do nosso desfile! A série Raízes da Garoa sobrevoou um pouco o carnaval paulistano, do Vale do Anhangabaú até o Sambódromo do Anhembi, fazendo com que conhecêssemos um pouco da origem da folia na cidade e o surgimento das escolas de samba. Há muitas peculiaridades que envolvem essa grande festa popular, com sua identidade própria e única e características singulares. Desde que os desfiles começaram oficialmente, as agremiações se reinventaram, evoluíram e se modernizaram. O último texto da série finaliza mostrando que até os quesitos de dança possuem suas diferenças. O carnaval paulistano a cada ano mostra a grandeza que possui e a sua importância para a cidade. Continue nos acompanhando e carnavalize conosco!
Referências Bibliográficas:
http://www.bibliotecavirtual.sp.gov.br/temas/sao-paulo/cultura-e-folclore-paulista-dancas-e-folguedos.php
http://g1.globo.com/Carnaval2007/0,,AA1458030-8037,00-CARNAVAL+PONTE+AEREA+OS+DIFERENTES+RITMOS+DO+RJ+E+SP.html
https://www.31rba.abant.org.br/arquivo/downloadpublic?q=YToyOntzOjY6InBhcmFtcyI7czozNToiYToxOntzOjEwOiJJRF9BUlFVSVZPIjtzOjQ6IjIzNTIiO30iO3M6MToiaCI7czozMjoiZTg1NGQ3MjM3YTk2ZGRiMThmZDdjMWE1OWRmYmYwYTYiO30%3D
https://sasp.com.br/wp-content/uploads/2020/02/ManualdoJulgadorOFICIAL_2020.pdf
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Da%20oficializa%C3%A7%C3%A3o%20ao%20samb%C3%B3dromo.pdf

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