#SérieCarnavalescos: Jorge Freitas e a magia da sua triunfante odisseia da criação

Por Alisson Valério e Leonardo Antan

A #SérieCarnavalescos está dominando o site no mês de junho, com textos novos às segundas e quintas. Não perca!
Jorge Marcos Freitas, mas pode chamar de Jorge Freitas ou se preferir de “mago do carnaval paulistano”. Além de carnavalesco, é professor e maestro. Formado em Educação Física, Educação Artística e regente por 26 anos da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora das Mercês, em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. 
Jorge começou sua trajetória como carnavalesco no estado que nasceu, Rio de Janeiro, em 1995 no Arranco do Engenho de Dentro, Grupo de Acesso da folia carioca. Apesar de ter feito seu nome no carnaval em São Paulo, Jorge tem passagens por duas grandes escolas do carnaval carioca. Foi carnavalesco da Vila Isabel (1997, 98, 99 e 2003) e da Portela (2004), sendo sétimo lugar com a Águia de Madureira, seu melhor resultado na Sapucaí.
Se a trajetória no carnaval carioca não chamou tanta atenção assim, não se pode dizer o mesmo da sua história na folia paulistana. Jorge é o maior campeão da era Anhembi, com 4 títulos (2002, 2003, 2010 e 2016), mesma quantidade de Sidnei França e Márcio Gonçalves, que faziam parte da comissão de carnaval da Mocidade Alegre. E conta com passagens duradouras por onde vai, a única exceção foi a Pérola Negra, em 2007, quando assumiu o carnaval a pedido da Liga-SP e manteve a escola na elite do carnaval após a ascensão. Nesse mesmo ano, Jorge venceu o Grupo de Acesso com a Gaviões da Fiel.

Jorge Freitas pela Império de Casa Verde (Foto: Foto: Arquivo pessoal/Divulgação)

Fazendo um grande passeio pela carreira do artista, separemos os três principais casamentos de Jorge Freitas no Carnaval de São Paulo, mas calma… não estamos no Casos de Família, foi só uma maneira de destacar as principais parcerias entre o carnavalesco e as escolas nas quais faturou seus melhores resultados na Terra da Garoa. Destacamos também seu desfile mais marcante em terras cariocas. O mais interessante é sentir o impacto que ele causou nas escolas: todas sofreram uma influência positiva com sua chegada. Sabe aquele profissional que chega e levanta o nível da agremiação? Então, isso só mostra a força de um carnavalesco que se tornou protagonista na história do carnaval. Agora chega de papo e partiu viajar pela grande trajetória do mago da folia paulistana!

Gaviões da Fiel – 2000-07 (exceto 2004)

Pelos Gaviões, Jorge fez seu nome (Reprodução/YouTube)

“Au Revoir”, lá vem o rei! O enredo de estreia de Jorge Freitas no Carnaval de São Paulo foi “Um voo para a liberdade”, em 2000. A narrativa tinha como fio condutor o grito da torcida, que ecoava pelo tempo para encontrar o espirito de quem lutou pela liberdade do Brasil. O carnavalesco, que estreava na atual campeã à época, tinha a responsabilidade de manter o alto nível de qualidade apresentado nos últimos anos pela escola. E fez isso com louvor! O desfile, que encantou do início ao fim pelo bom gosto, foi-se abrilhantado com o nascer do dia, deixando tudo ainda mais bonito e especial. O título não veio, mas o segundo lugar conquistado deixava claro que esse casamento ainda daria frutos à escola. Não foi o que aconteceu no ano seguinte, com o enredo “Mitos e Magias na Triunfante Odisseia da Criação”, que falava sobre a criação do universo. Apesar do excelente trabalho do artista, o desfile, que começou tecnicamente perfeito, acabou prejudicado com a quebra de um carro – que acabou nem desfilando, no fim das contas – dando adeus a chance de título. A agremiação, que investiu muito naquele ano, tendo o Abre-Alas mais caro de todas as escolas do Especial, teve que se contentar com um terceiro lugar, pequeno para a ambições da Fiel. 
Xeque-mate, um dos desfiles históricos da folia paulistana (Foto: Rogério Cassimiro/Folha Imagem)

Depois de bater na trave em 2000 e sofrer com um carro quebrado, era a chegada a hora da virada, não é mesmo? E para isso, Jorge preparou uma grande jogada de mestre. Ele transformou a Passarela do Samba num verdadeiro tabuleiro de xadrez para dar um verdadeiro xeque-mate nas guerras, corrupções e impunidades, transformando, assim, nosso país em um lugar melhor para se viver. Genial, hein? O resultado disso foi um dos desfiles mais inesquecíveis da história do carnaval paulistano. Um verdadeiro show na avenida e na arquibancada. A escola saiu praticamente aclamada do Anhembi como a campeã daquele ano, título que foi confirmado na terça-feira de carnaval.
2003, a coroação do carnavalesco pelos Gaviões (Foto: Rosa Bastos/Folha Imagem)

O desafio de manter o nível do ano anterior era gigante, mas Jorge Freitas estava sempre pronto para um desafio. Com o enredo “As Cinco Deusas Encantadas na Corte do Rei Gavião”, o carnavalesco resolveu falar das cinco regiões do Brasil, transformando cada uma delas em uma deusa. Mais um enredo que contou com um toque fantástico, construindo diferentes camadas de narrativa, o que se tornaria marca do artista. Falar do Brasil e exaltar a sua cultura e suas pluralidades numa escola tão popular não tinha como dar errado e ainda por cima com a ajuda delas: “A deusa do Coração do Brasil” (Centro-Oeste), “A deusa dos mistérios da floresta” (Norte), “A deusa da terra do Sol” (Nordeste), “A deusa do encantamento europeu” (Sul) e “A deusa da riqueza nacional” (Sudeste). Não usar verde ao falar das duas primeiras divindades do desfile foi um desafio pra lá de difícil, mas nada que o mago não conseguisse resolver sem problemas. E com mais um show de técnica e harmonia, não deu outra: o tão sonhado bicampeonato foi conquistado para os Gaviões da Fiel. O começo da trajetória do carnavalesco em São Paulo com tanta força e resultados expressivos marcou bastante e chamou muita atenção não só por seus títulos, mas pela assinatura estética de seus carnavais. 
Além disso, deixou claro, logo de cara, suas grandes qualidades que virariam a sua marca registrada nos carnavais que viriam a seguir. A organização da escola como um todo, o luxo aliado ao capricho das fantasias, os carros impecáveis e de forte impacto, acabamento primoroso somado ao chão da escola sempre muito forte. Essas características chamaram a atenção da Portela, escola em que ele seria o carnavalesco no ano de 2004. Ele voltaria ao Carnaval de São Paulo e aos Gaviões da Fiel em 2005, onde ficaria até 2007, quando também foi carnavalesco da Perola Negra antes de seguir para um novo casamento. 

Portela – 2004

Os bons resultados alcançados em terras paulistanas chamaram a atenção de outra ave majestosa.. fazendo Jorge trocar os Gaviões pela Águia altaneira de Madureira. Após sua estreia na festa carioca, anos antes, quando assinou três desfiles poucos expressivos na Vila Isabel, o mago voltou para a Sapucaí com a moral em alta. A azul e branco vinha de uma fase mediana, sem voltar às campeãs há oito carnavais, fazendo apresentações sem brilho e pouco reconhecidas pelo júri.

O retorno ao Sambódromo, pela Portela, em 2004 (foto: Reprodução/site Apoteose)

Com a permissão da LIESA para as escolas fazerem reedições, a Portela foi um das que optou por levar para avenida uma releitura de um samba e um enredo campeões em 1970, o inesquecível “Lendas e Mistérios da Amazônia”. Com uma difícil missão na mão, Jorge mergulhou na letra do famoso hino portelense para levar setes lendas do imaginário amazônico para a Sapucaí. Com alegorias grandiosas, que apostavam em enormes e articuladas esculturas, o artista materializou belas imagens presentes no samba, como o clássico refrão que dizia que “a lua apaixonada chorou tanto, que do seu pranto nasceu o rio-mar”.
Encerrando o domingo de carnaval, a Portela desfilou completamente sob a luz do dia, embalada pelo memorável samba e pelo belo trabalho plástico de Freitas; a maior vitoriosa da festa carioca fez uma grande apresentação, que com certeza valia bem mais que o sétimo lugar dado pelo júri à época.

Rosas de Ouro 2008-2015

Voltando para a ponte área: a ida para a Rosas de Ouro, em 2008, daria início a um dos mais longos casamentos da história da folia em São Paulo. Foram oito anos de parceria, com desfiles marcantes e resultados bastante positivos. No total, foram um título, três vice-campeonatos consecutivos, dois terceiros lugares, um quarto lugar e um oitavo lugar. Escolhemos falar de dois desfiles dessa era em especial: 2010 e 2015, do campeonato e o último carnaval dele pela escola, respectivamente.    

“O Cacau é Show” e a quebra do jejum da Roseira (Foto: Rivaldo Gomes/Folha Imgem)

A Roseira não ganhava um carnaval desde 1994. O desafio do mago de fazer a comunidade soltar o grito engasgado de “é campeão” era enorme e a solução encontrada pelo carnavalesco foi contar a história do cacau. Sim, do cacau. O que parecia estranho acabou virando um enredo delicioso, criativo e bastante interessante. A expectativa do carnavalesco era que a azul e rosa renascesse na avenida em busca do tão sonhado campeonato. A agremiação abraçou e se entregou totalmente à ideia e o que se viu na avenida foi exatamente isso. Um show de todos os quesitos! Quis o destino que a comissão de frente da escola, que chegou atrasada para o desfile e entrou na avenida a tempo de se apresentar aos jurados, fosse o quesito que daria o tão sonhado título à escola no carnaval daquele ano. Título esse que seria o único do casamento marcante da Roseira com Jorge Freitas.  

Nas apresentações assinadas por Jorge na Rosas, o carnavalesco se destacou não só o uso de materiais luxuosos nas fantasias e alegorias, mas a pegada lúdica e fantasiosa que o artista imprimiu a seus enredos seja na inusitada homenagem a Roberto Justus, em 2012, muito bem amarrada por uma pegada de conto de fadas, a homenagem aos profissionais do carnaval, no ano seguinte, que acumularam mais dois vice-campeonatos para a azul e rosa.

Por meio de fábulas, Jorge imprimiu sua identidade na Rosas de Ouro (foto:  Junior Lago/UOL)

A longa parceira terminou com mais um grande desfile da dupla. Apesar do enredo bastante contestado, havia uma declaração de amor à força da agremiação. Uma narrativa inspirada pela chuva de granizo que a escola levou enquanto se armava para o desfile do ano anterior, e que acabou atrapalhando os planos de campeonato, rendendo o terceiro vice-campeonato consecutivo com “Inesquecível”. Daí surgiu o enredo “Depois da tempestade… O encanto!”, Onde a Rosa faz uma viagem para mostrar que as adversidades devem se transformar em algo positivo. A personagem Rosa é atingida por uma forte tempestade mágica lançada pela feiticeira nebulosa, que a leva a outra dimensão com seres encantados onde ela supera os medos, fecha os olhos e voa. Um belo conto de fadas que foi representado na avenida de forma primorosa. Fantasias e alegorias com um bom gosto e acabamento do nível de excelência apresentado por Jorge Freitas nos seus melhores anos. O artista falou por diversas vezes que a comunidade da Rosas de Ouro era o chão mais valente de São Paulo e foi algo que a gente viu e muito no desfile. Por diversas vezes, é possível ver a escola inteira pulando por todo o Anhembi. O título não veio, mas se você me perguntar se tinha maneira de encerrar um ciclo tão marcante do que com uma declaração dessas eu não sei se tinha, não, viu?! 

Império de Casa Verde 2016-2018

A saída de Jorge Freitas da Rosas de Ouro, em 2015, movimentou o mercado paulistano daquele ano. Apesar de ser especulado no Vai-Vai, o profissional acabou indo para a Caçula do Samba, o Império de Casa Verde, que vinha acumulando resultados abaixo do esperado. Com sua contratação, a escola se recolocava num patamar de brigar por títulos. E se alguém achou que o resultado não seria imediato… achou errado!

Na Caçula, Jorge desenvolveu uma das melhores plásticas da década (foto: André Penner/AP)

O Império já sofria algum tempo sem comemorar um campeonato, o último havia sido conquistado em 2006, já o carnavalesco Jorge Freitas, apesar de resultados significativos também amargava um jejum de seis anos. Então, a expectativa dessa união era a volta dos dois à briga pela primeira posição. O desafio de começar um casamento de cara com tanta responsabilidade não foi fácil. Mas a estreia de Jorge Freitas na azul e branco foi verdadeiramente com o pé direito.

Com o enredo “Império dos Mistérios”, o carnavalesco contou na avenida vários mistérios da humanidade. Em um desfile tecnicamente perfeito do início ao fim, marca registrada do mago, a escola fez, sem sombra de dúvidas, a melhor apresentação daquele ano. Tudo se encaixou na avenida, tudo deu certo, foi como uma verdadeira mágica no Anhembi. Com um conjunto alegórico de tirar o fôlego, um dos melhores da carreira do artista, sendo um dos pontos altos do desfile, o carnavalesco devolvia à escola o direito de brigar pelo título novamente. Além dos carros alegóricos, impossível não destacar também as fantasias, o enredo, a harmonia… foi um show de quesitos, mostrando realmente que o mago é um carnavalesco dos mais competentes atualmente. Raramente se viu no carnaval um casamento dar certo logo de cara na folia paulistana, como o encontro de Jorge com a Caçula, fazendo-os faturar o esperado campeonato de ambos.

“O Povo, a Nobreza Real” foi o último enredo de Jorge pela Império (foto: LigaSP)

O último desfile da era Jorge Freitas no Império de Casa Verde é o meu favorito dos três dele na escola. Com “O povo, a Nobreza Real”, o carnavalesco usava a Revolução Francesa como base para falar do atual cenário político no Brasil. O tom da história aliou grandes qualidades do estilo do mago, misturando história, fantasia e crítica social. Um enredo histórico de tom crítico, que permitiu a possibilidade de uma plástica luxuosa e impactante. Desde a comissão de frente, ao casal, a cada ala que passava, a cada carro… o impacto foi real. Foi uma verdadeira aula do carnavalesco na avenida. Diversos profissionais que presenciaram o cortejo saíram do Anhembi com a certeza de que aquele desfile, se não vencesse o carnaval, brigaria fortemente para isso. Mas contrariando as expectativas, a apresentação não chegou nem a garantir uma vaga entre as campeãs. Resultados a parte… o que fica desse desfile é mais uma prova da qualidade artística desse grande carnavalesco que fez o seu nome na história do carnaval paulistano desde sua estreia.

No ano de 2019, Jorge iniciará um novo casamento, dessa vez com a Mancha Verde, e estamos na expectativa de que seja uma parceria repleta de grandes desfiles inesquecíveis na história do carnaval paulistano. Para o próximo carnaval, o artista preparou o enredo “Oxalá, salve a Princesa! A saga de uma guerreira negra!”, contando a história da avó de Zumbi dos Palmares, em busca do título inédito na história da agremiação.

A gente termina esse texto prestando uma reverência ao principal nome dos quesitos plásticos nas terras paulistanas deste século. Com a impressionante marca de quatro campeonatos, Jorge Freitas criou uma assinatura de luxo e qualidade na produção de suas apresentações, aliando tais características ao uso de materiais luxuosos e o tom sempre fantástico de suas narrativas, conduzidas com maestria. Tudo isso não só pelos bons resultados, mas pela beleza dos desfile que assinou, fixando o artista na história carnavalesca. Salve Jorge!

Comente o que achou:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Veja mais

Posts Relacionados

Projeto “Um carnaval para Maria Quitéria” valoriza a folia e conta com ilustrações de carnavalescos renomados

Projeto “Um carnaval para Maria Quitéria” valoriza a folia e conta com ilustrações de carnavalescos renomados

 A Jac Produções lança o projeto "Um carnaval para Maria Quitéria", que desenvolveu um estudo de desfile de escola de samba em homenagem a essa heroína da nossa independência. O

O aroma que vem da Glória: a alegria da MUG ao sabor de um samba inesquecível

O aroma que vem da Glória: a alegria da MUG ao sabor de um samba inesquecível

Arte de Julianna LemosPor Adriano PrexedesSejam bem-vindos de novo! Desta vez, nossa aventura sambística nos levará para outro destino: vamos até o Espírito Santo para conhecer a trajetória de uma

#Colablize: A infraestrutura do carnaval carioca hoje – o que precisa ser feito

#Colablize: A infraestrutura do carnaval carioca hoje – o que precisa ser feito

    Arte de Lucas MonteiroPor Felipe CamargoJá se tornou algo que os amantes do Carnaval carioca debatem e mencionam todos os anos. Com um misto de esperança, medo e reclamação,

A locomotiva azul e rosa: São Paulo nos trilhos do sucesso da Rosas de Ouro

A locomotiva azul e rosa: São Paulo nos trilhos do sucesso da Rosas de Ouro

Arte de Jéssica BarbosaPor Adriano PrexedesAtenção! Vamos embarcar numa viagem carnavalesca pela cidade que nunca para. Relembraremos uma São Paulo que, durante a folia, se vestia de cores vibrantes. De

ROSA X LEANDRO: Quando os carnavalescos ocupam as galerias de arte

ROSA X LEANDRO: Quando os carnavalescos ocupam as galerias de arte

 Arte por Lucas MonteiroTexto: Débora Moraes Rosa Magalhães e Leandro Vieira são os carnavalescos que mais tiveram seus trabalhos exibidos em exposições em instituições de arte. Além de colecionarem esse título,

A Lição da Mancha Verde: uma passagem pela história de persistência da escola e por um de seus desfiles históricos

A Lição da Mancha Verde: uma passagem pela história de persistência da escola e por um de seus desfiles históricos

 Arte de Lucas XavierPor Adriano PrexedesO ano era 2012, considerado por muitos um dos maiores carnavais da história do Sambódromo do Anhembi. A folia, geralmente, é lembrada pelo grande público

VISITE SAL60!

SOBRE NÓS

Somos um projeto multiplataforma que busca valorizar o carnaval e as escolas de samba resgatando sua história e seus grandes personagens. Atuamos não só na internet e nas redes sociais, mas na produção de eventos, exposições e produtos que valorizem nosso maior evento artístico-cultural.

SIGA A GENTE

DESFILE DAS CAMPEÃS

COLUNAS/SÉRIES