Se o nosso balanço dos últimos dez anos já passou pelas apresentações mais marcantes da festa, os melhores sambas e as personalidades, e ainda lembrará os verdadeiros delírios coletivos que talvez devêssemos de fato esquecer, chegou a hora de relembrar ótimos desfiles desses últimos carnavais, mas com um toque diferenciado: eles acabaram passando mais despercebidos ao longo do tempo e se perderam nas memórias de alguns sambistas.
Lembramos, novamente, que a ideia NÃO é criar um ranking, em uma listagem se hierarquia. Aqui, serão apresentados em ordem cronológica.
Um dos componentes da comissão de frente daquele desfile. Foto: Adriana Lorete/Riotur. |
Antes de beber um copo de iogurte amargo, a Porto da Pedra fez uma das suas melhores apresentações no Grupo Especial durante os onze anos ininterruptos que passou na elite da folia neste século. Dando sequência à parceria com o carnavalesco Paulo Menezes por mais um carnaval, a vermelho e branco de São Gonçalo homenageou uma das maiores autoras teatrais brasileira: Maria Clara Machado, ícone da dramaturgia infantil e criadora do Teatro Tablado. Foi a segunda vez que Menezes desenvolveu um tributo à artista. Em 2003, no Acesso, pela União da Ilha, no enredo “Chega em seu cavalinho azul uma bruxinha boa. A Ilha trouxe do céu Maria Clara Machado”, ele já havia realizado uma apresentação alegre e marcante sobre a dramaturga.
A alegoria que lembrava a Arca de Noé com o colorido e a singeleza marcantes do desfile. Ao fundo, o inflável que trouxe o fantasminha Pluft. Foto: Adriana Lorete/Riotur. |
Reunindo toda a delicadeza e leveza que o enredo pedia, a agremiação passeou pela obra de Maria Clara em alegorias coloridas e lúdicas. O abre-alas trouxe o símbolo da escola amadeirado; um belo tigre em meio a um teatro de marionetes. Outra grande imagem da apresentação foi um inflável que sobrevoou a bateria e trouxe uma acrobata estrangeira vestido como o fantasminha Pluft, de uma fofura sem igual! O samba-enredo foi outro trunfo da escola. A obra seguiu o tom singelo e tinha grande qualidade poética, além de ser muito bem defendido pelo intérprete Luizinho Andanças. A apresentação, que terminou com um belo e sugestivo tripé “Sonhou?”, amargou apenas a 8ª colocação, em um ano em que apenas nove agremiações eram julgadas. Valia uma vaga nas campeãs. Fica a certeza que sonhamos, e muito, com essa bela apresentação da Porto da Pedra.
A ala de baianas de temática indígena foi um dos destaques do belo conjunto estético. Foto: Alexandre Macieira/Riotur. |
Voltando à qualidade do desfile, o que se viu foi um conjunto estético de alto nível, que aliou belas e requintadas fantasias, concebidas por Leandro Vieira, atuando na época como assistente de Cahê; Os figurinos já demonstravam o estilo que o carnavalesco viria a consolidar em sua carreira solo. O conjunto alegórico também foi muito bem concebido por Mário e Kaká, trazendo alegorias menores do que a volumetria habitual da festa costuma proporcionar, mas bastante cênicas e com propostas ousadas. Além do visual deslumbrante, a verde e branco também esteve mais uma vez bem servida de samba-enredo. A boa obra musical foi bem conduzida por Dominguinhos do Estácio e Wander Pires, que formavam uma peculiar parceria. Tantas qualidades fazem dessa não só uma das apresentações mais simpáticas daquele ano: valia um pouco mais do que o honesto 4º lugar alcançado por Ramos, e a memória contínua dos foliões.
Uma bela visão área do desfile da Inocentes e do trabalho de cor proposto por Wagner Gonçalves. Foto: Tata Barreto/Riotur. |
O bem sacado enredo sobre a história pouco conhecida da negra mulher, que saiu de Vila Rica para conquistar Portugal, gerou um interessante conjunto visual. Como havia feito no ano anterior, Wagner tentou propor soluções criativas e com certa ousadia para o conjunto alegórico, o que funcionou nos dois primeiros carros da Caçulinha da Baixada. A estética do desfile como um todo apresentou altos e baixos, mas teve seu destaque no conjunto de fantasias, no qual se via referências de um visual africano mais arrojado. Outro ponto alto da apresentação foi sua comissão de frente, que lembrou as savanas africanas com o uso de engenhosos costeiros com palhas. Na abertura, apenas uma prévia do talento de Patrick Carvalho – quem teve na Inocentes, desde 2012, o início de uma carreira carnavalesca de grande sucesso. Quem também brilhou foi Ciganerey, em uma bela performance e usando seu talento para sustentar a canção da tricolor de forma valente. Valeu bem mais que o 10º lugar alcançado pela Inocentes, uma posição tão contestável que acabou afastando o presidente Reginaldo Gomes após aquela apresentação. É digna, de qualquer forma, de todas nossas afetuosas memórias.
A explosão colorida e tropical deu o tom visual do enredo que lembrava o genial Fernando Pinto. Foto: Marco Antonio Cavalcante/Riotur. |
Apesar de tantos problemas internos, a Mocidade tinha de saída um excelente enredo passeante pela cultura do estado de Pernambuco, por meio de Fernando Pinto, lá nascido. O lendário carnavalesco cacheado e tropicalista serviu de fio condutor da narrativa, em estrutura parecida com que Menezes usou na Portela em 2012 e 2013, nos enredos Clara-Bahia e Madureira-Paulinho da Viola. O enredo foi batizado com uma referência ao lendário carnaval de 1987 da escola da Zona Oeste. O desfile rendeu uma plástica surpreendente, que conseguiu aliar o estilo mais clássico e rococó de Menezes com a irreverência tropical de Pinto. Essa mistura já foi vista na comissão de frente de Sérgio Lobato, com Xuxas espaciais em referência ao enredo “Beijim, Beijim, bye, bye Brasil”, de 1988. Naquele carnaval, a abertura da Mocidade também trouxe integrantes fantasiados de rainha dos baixinhos. Fernando, entretanto, não viu o desfile da escola e nem suas Xuxas, já que faleceu precocemente em novembro do ano anterior, 1987, após um acidente de carro. Do belo conjunto alegórico da agremiação, destacou-se a alegoria sobre o boi-bumbá e a enorme escultura de Pietá em sua versão de barro. Também simpático, o samba-enredo da parceira de Dudu Nobre, que retornava à sua escola de coração, conquistou fãs por seus versos alegres e bem sacados, embalando um desfile surpreendente. Deve ser recordado, mesmo tendo conquistado um 9º lugar.
O grande homenageado desfilou no dia de seu aniversário no alto da coroa da Imperatriz. Foto: Marco Antonio Cavalcante/Riotour. |
O belo conjunto visual criado pelo carnavalesco Alex de Souza. Foto: Alexandre Macieira/Riotur. |
O tema, a princípio espinhoso e de difícil materialização, desenhou-se com originalidade. Mais uma vez afiado em suas narrativas, Alex soube passear pela cultura de Recife e os aspectos políticos do homenageado sem cair no pieguismo. E mesmo enfrentando a falta de verbas e de estrutura que deram o que falar no pré-carnaval, a Vila Isabel surpreendeu a Sapucaí com um belíssimo trabalho estético do artista, tanto em alegorias como em fantasias. Outro trunfo da apresentação foi o ótimo samba que envolvia uma super parceria composta pelo próprio Martinho, Mart’nália, André Diniz, Leonel e Arlindo Cruz. Mesmo cheio de qualidades, o excelente samba-enredo acabou sem tanto destaque e com menos elogios do que merecia em uma safra repleta de grandes obras. Além de sua qualidade musical, o samba funcionou muito bem na apresentação oficial também graças à atuação de Igor Sorriso, que estreava na escola. Uma pena que a transmissão oficial do desfile cortou a apresentação ainda em andamento, não exibindo a última alegoria que lembrava o Galo da Madrugada. Mesmo com qualidades suficientes que valessem uma volta nas campeãs, a Vila ficou no 8º lugar. Seus torcedores, entretanto, devem sempre se orgulhar desse carnaval posicionado, ligado à tradição de pautas relevantes e à defesa de lutas sociais que permeiam a história de Miguel Arraes, de Martinho da Vila e de Vila Isabel, embora a escola esteja derrapando nas últimas temáticas.
Viriato Ferreira)
A alegoria em homenagem aos carnavais de Viriato na Portela misturou o circo com o fundo do mar. Foto: Fernando Grilli/Riotur. |
Escondido atrás de figuras mais midiáticas, como Joãosinho Trinta e Rosa Magalhães, Viriato deixou sua assinatura na festa em figurinos luxuosos e que dialogavam com o Teatro de Revista. Esteve por trás de grandes carnavais de João, como “O mundo é uma bola” e “Ratos e Urubus”. Também assinou carnavais solo na Portela, quando foi campeão em 1980 com “Hoje tem marmelada”. Em 1991, assinou o carnaval da Imperatriz. Já doente, foi o responsável por fazer a ponte que levou a contratação da professora Rosa pela escola de Ramos. Em 1993, quando auxiliava Rosa com desenhos de alguns figurinos no enredo sobre a história do carnaval, o artista nos deixou precocemente e ganhou uma homenagem da professora na última alegoria. A frase contida naquele carro batizou o enredo da Rocinha, que passeou por estas três agremiações nas quais Viriato foi ligado: Portela, Beija-Flor e Imperatriz. Afirmando seu bom gosto e requinte, João Vitor conseguiu driblar a falta de estrutura e verba da agremiação, apresentando um belíssimo show de fantasias e alegorias, bem coloridas e vibrantes. Para embalar o visual, um simpático samba ajudou a conduzir a boa apresentação. A Rocinha faturou um honroso 6º lugar e fez uma das mais simpáticas e agradáveis apresentações do trágico ano de 2017. Viva Viriato!
União da Ilha 2017
O gigantesco abre-alas tinha uma escultura de 18 metros de altura. Foto: Cezar Loureiro/Riotur. |
Passeando por elementos da natureza e divindades bantas associadas a eles, Severo apostou em uma estética voluptuosa e requintada. A volumetria do conjunto alegórico chamou atenção já no abre-alas, que trouxe uma enorme escultura que alcançava 18 metros quando erguida. Os próximos carros mantiveram o alto nível, formando um belíssimo conjunto com as luxuosas fantasias da tricolor insulana. A comissão de frente foi assinada pelo experiente Carlinhos de Jesus, apostando em truque que parecia fazer levitar um dos bailarinos. O casal de mestre-sala porta-bandeira também não ficou devendo na estreia de Phelipe Lemos e Dandara Ventapane na insulana. Tudo isso foi embalado por um dos grandes sambas da escola na década, mais uma vez defendido magistralmente por Ito Melodia. A grande atuação do cantor foi acompanhada muito bem pelo excelente trabalho de Mestre Ciça à frente dos ritmistas. Porém, se tantas qualidades podiam fazer a tricolor sonhar com uma vaga nas campeãs, problemas motores nas grandiosas alegorias acabaram prejudicando a evolução. As dificuldades geraram enormes clarões na pista e fiizeram a agremiação correr para encerrar o cortejo dentro do tempo previsto. Terminou em 8º lugar.
Os dançarinos da comissão de frente levitam entre os componentes de uma ala. Foto: Tata Barreto/Riotur. |
Acostumada com a discrição, a Rainha de Ramos pisou na Avenida após ganhar visibilidade com uma série de polêmicas no pré-carnaval. A fantasia de uma ala que criticava o agronegócio repercutiu negativamente pelos ruralistas e fazendeiros, gerando polêmicas. Além disso, um verso do samba também gerou discussão ao citar o “Belo monstro que roubava a terra de seus filhos”, em referência à construção da usina de Belo Monte. Apesar disso, a verde e branco passou na pista já superada de tantas polêmicas. A plástica assinada por Cahê Rodrigues se mostrou imponente, com interessantes escolhas visuais, apesar de problemas de acabamento em algumas alegorias.
O lendário Cacique Raoni não só se fez presente, como foi lembrado no samba-enredo da escola. Foto: Rodrigo Gorosito/G1. |
São Clemente 2019
Bem-humorado, o segundo carro alegórico criticou os camarotes barulhentos e cheios de celebridades. Foto: Fernando Grilli/Riotur. |
O último carro da São Clemente, que brincava com o corte de verbas, passa “incompleto” na Sapucaí. Foto: Rodrigo Gorosito/G1. |
O bom trabalho estético foi coroado com uma das mais belas alegorias daquele ano. Uma estrutura vazada, com ferros em amarelo, representou um carro incompleto após o corte de verbas, trazendo como destaques os carnavalescos que batalhavam na Série A com a falta de grana. O famoso samba-enredo da escola, composto por Helinho 107 e seus parceiros, foi conduzido por Leozinho Nunes, Bruno Ribas e Larissa Luz. Ótimas bossas da Fiel Bateria também aconteceram no refrão do meio, em referência à hollywoodização da folia. Infelizmente, mesmo com um samba fácil de cantar e bastante conhecido, a harmonia da escola não se destacou mais uma vez e ficou devendo em animação. Isso não tirou o brilho de um desfile para lá de simpático que amargou um inexplicável 12º lugar, na beira do rebaixamento. O samba realmente sambou e a gente tenta se lembrar das memórias da melhor forma!
Como a gente sempre gosta de dizer, não é tarefa fácil a missão de escolher apenas um #TOP10 de presentações, ainda mais nessa lista de caráter tão subjetivo. Foi um debate intenso entre nossa equipe, mas que tentou mapear apresentações com muitas qualidades e de forte caráter afetivo. São os nossos xodózinhos da década e que acabaram ofuscados nas lembranças carnavalescas, perdendo espaço para as apresentações mais marcantes de cada ano – seja pro lado positivo ou negativo. Além dos citados na lista principal, separamos algumas menções honrosas de apresentações poucos lembradas mas que valem muito serem revistas ou conhecidas. Novamente, registramos que não há hierarquia nem lista principal, nem nas menções.
Corram para o Youtube para ver essas belezuras e depois nos agradeçam!
Unidos de Padre Miguel 2013 (O reencontro entre o céu e a terra no Reino de Alá Àfin Oyó)
Acadêmicos do Grande Rio 14 (Verdes olhos sobre o mar, no caminho: Maricá)
Unidos do Viradouro 2017 (… E todo menino é um rei)
Porto da Pedra 2018 (Rainhas do Rádio – Nas ondas da emoção, o Tigre coroa as divas da canção!)
Fique à vontade para fazer sua lista e enviar para nós nas nossas redes sociais! Qual o seu #TOP10 de desfiles poucos lembrados do Rio de Janeiro dessa década?! Queremos saber!
Além dos textos com as listas, o #PodcastDoCarnavalize também retorna trazendo os bastidores de cada escolha, das decisões, do que discordamos e concordamos, um dia após a liberação de cada #TOP10! Os membros do Carnavalize, de quarentena, reviram vários desfiles e votaram pelos 10 destaques de sambas, desfiles, comissões de frente, personalidades… É óbvio que não faltou debate! É conteúdo pra ler e ouvir! Se liiiga e carnavalize conosco!
Uma resposta
Ótima matéria!