#SÉRIEDÉCADA: desfiles esquecidos dignos de mais do que poucas memórias

A #SérieDécada traça um panorama de tudo que aconteceu nestes últimos anos, com texto novo todas as segundas, quartas e sextas-feiras. A segunda década desse século, iniciada em 2011 e finalizada no carnaval que acabou de terminar em 2020, trouxe muitas reviravoltas e transformações para a folia!  

Além disso, nos dias seguintes às divulgações dos textos – ou seja, terças, quintas e sábados – um podcast especial será lançado com nossos comentários em áudio sobre os desfiles, os bastidores das escolhas, e as nossas divergências de opiniões!

Como é impossível fazer uma seleção que agrade não só às leitoras e aos leitores, como também aos integrantes do Carnavalize de forma unânime, cada categoria também contará com menções honrosas que por pouquíssimo não entraram na listagem principal.




Texto: Leonardo Antan.
Revisão: Felipe Tinoco.
Visual e arte: Vítor Melo.

A nossa lista de hoje está afetiva! Só amorzinho!

Se o nosso balanço dos últimos dez anos já passou pelas apresentações mais marcantes da festa, os melhores sambas e as personalidades, e ainda lembrará os verdadeiros delírios coletivos que talvez devêssemos de fato esquecer, chegou a hora de relembrar ótimos desfiles desses últimos carnavais, mas com um toque diferenciado: eles acabaram passando mais despercebidos ao longo do tempo e se perderam nas memórias de alguns sambistas. 


São cortejos que podem estar longe da brigar pelo título, mas que reúnem uma série de qualidades que dão aquela graça e leveza que o carnaval precisa ter. Complementam o ano de suas apresentações como ninguém. Dignos de aquecer o coração de qualquer um, colecionam diversas qualidades como belos enredos, sambas simpáticos e plásticas criativas. Alguns deles, inclusive, mereciam até algumas posições melhores, enquanto outros acabaram sendo prejudicados por problemas de pistas. 

Quer saber quais as apresentações esquecidas, ou pouco lembradas, da década? Então vem com a gente nessa lista super graciosa!

Lembramos, novamente, que a ideia NÃO é criar um ranking, em uma listagem se hierarquia. Aqui, serão apresentados em ordem cronológica.



Porto da Pedra 2011
 (O sonho sempre vem para quem sonhar…)
Um dos componentes da comissão de frente daquele desfile. Foto: Adriana Lorete/Riotur.

Antes de beber um copo de iogurte amargo, a Porto da Pedra fez uma das suas melhores apresentações no Grupo Especial durante os onze anos ininterruptos que passou na elite da folia neste século. Dando sequência à parceria com o carnavalesco Paulo Menezes por mais um carnaval, a vermelho e branco de São Gonçalo homenageou uma das maiores autoras teatrais brasileira: Maria Clara Machado, ícone da dramaturgia infantil e criadora do Teatro Tablado. Foi a segunda vez que Menezes desenvolveu um tributo à artista. Em 2003, no Acesso, pela União da Ilha, no enredo “Chega em seu cavalinho azul uma bruxinha boa. A Ilha trouxe do céu Maria Clara Machado”, ele já havia realizado uma apresentação alegre e marcante sobre a dramaturga.

A alegoria que lembrava a Arca de Noé com o colorido e a singeleza marcantes do desfile. Ao fundo, o inflável que trouxe o fantasminha Pluft. Foto: Adriana Lorete/Riotur.

Reunindo toda a delicadeza e leveza que o enredo pedia, a agremiação passeou pela obra de Maria Clara em alegorias coloridas e lúdicas. O abre-alas trouxe o símbolo da escola amadeirado; um belo tigre em meio a um teatro de marionetes. Outra grande imagem da apresentação foi um inflável que sobrevoou a bateria e trouxe uma acrobata estrangeira vestido como o fantasminha Pluft, de uma fofura sem igual! O samba-enredo foi outro trunfo da escola. A obra seguiu o tom singelo e tinha grande qualidade poética, além de ser muito bem defendido pelo intérprete Luizinho Andanças. A apresentação, que terminou com um belo e sugestivo tripé “Sonhou?”, amargou apenas a 8ª colocação, em um ano em que apenas nove agremiações eram julgadas. Valia uma vaga nas campeãs. Fica a certeza que sonhamos, e muito, com essa bela apresentação da Porto da Pedra.

Imperatriz Leopoldinense 2013
(Pará – O Muiraquitã do Brasil)
Ainda perdida após o longínquo e frutífero casamento com Rosa Magalhães, dá pra dizer que a Imperatriz só conseguiu se reencontrar definitivamente em 2013, em uma apresentação caprichada como as dos tempos áureos da professora. Após três carnavais de altos e baixos sob o comando de Max Lopez, a Rainha de Ramos trouxe o carnavalesco Cahê Rodrigues para trabalhar ao lado dos cenógrafos Mário e Kaká Monteiro. A parceira rendeu um desfile CEP sobre um estado muito rico, o Pará. Sua diversidade cultural foi muito bem representada pela verde e branco naquele cortejo. A abertura já trouxe o capricho e bom gosto que marcariam o restante do desfile na bela comissão coreografada por Alex Neoral. Ela emulou a floresta amazônica e teve como destaque a aparição de Fafá de Belém empunhando a bandeira de seu estado natal. A presença da cantora, aliás, é digna de nota. Após passar na comissão de frente, Fafá voltou para a concentração e desfilou pela segunda vez, à frente do último carro, como uma romeira do Círio de Nazaré. Fez isso 4 anos antes da colega Ivete Sangalo!
A ala de baianas de temática indígena foi um dos destaques do belo conjunto estético. Foto: Alexandre Macieira/Riotur.

Voltando à qualidade do desfile, o que se viu foi um conjunto estético de alto nível, que aliou belas e requintadas fantasias, concebidas por Leandro Vieira, atuando na época como assistente de Cahê; Os figurinos já demonstravam o estilo que o carnavalesco viria a consolidar em sua carreira solo. O conjunto alegórico também foi muito bem concebido por Mário e Kaká, trazendo alegorias menores do que a volumetria habitual da festa costuma proporcionar, mas bastante cênicas e com propostas ousadas. Além do visual deslumbrante, a verde e branco também esteve mais uma vez bem servida de samba-enredo. A boa obra musical foi bem conduzida por Dominguinhos do Estácio e Wander Pires, que formavam uma peculiar parceria. Tantas qualidades fazem dessa não só uma das apresentações mais simpáticas daquele ano: valia um pouco mais do que o honesto 4º lugar alcançado por Ramos, e a memória contínua dos foliões.


Inocentes de Belford Roxo 2014
(O triunfo da América – O canto lírico de Joaquina Lapinha)
Um ano após fazer sua sonhada estreia no Grupo Especial, a Inocentes de Belford Roxo voltou ao Acesso de cabeça erguida, demonstrando qualidades que não apresentou na elite do carnaval, como ótimos enredo e samba. Quem ajudou na escolha desses elementos foi ninguém menos que Laíla. Ele chegou a ser anunciado como Diretor de Carnaval da agremiação, mas atuou apenas como uma espécie de conselheiro da tricolor da Baixada. O lendário nome ajudou indicando o excelente tema sobre a cantora lírica Joaquina Lapinha. Durante a disputa de samba, também fez mais uma de suas polêmicas junções, mas proporcionou uma obra musical de bastante qualidade. Apesar da batuta do mestre, quem comandou os trabalhos criativos da Inocentes foi o carnavalesco Wagner Gonçalves, continuando na agremiação após o rebaixamento.

Uma bela visão área do desfile da Inocentes e do trabalho de cor proposto por Wagner Gonçalves. Foto: Tata Barreto/Riotur.

O bem sacado enredo sobre a história pouco conhecida da negra mulher, que saiu de Vila Rica para conquistar Portugal, gerou um interessante conjunto visual. Como havia feito no ano anterior, Wagner tentou propor soluções criativas e com certa ousadia para o conjunto alegórico, o que funcionou nos dois primeiros carros da Caçulinha da Baixada. A estética do desfile como um todo apresentou altos e baixos, mas teve seu destaque no conjunto de fantasias, no qual se via referências de um visual africano mais arrojado. Outro ponto alto da apresentação foi sua comissão de frente, que lembrou as savanas africanas com o uso de engenhosos costeiros com palhas. Na abertura, apenas uma prévia do talento de Patrick Carvalho – quem teve na Inocentes, desde 2012, o início de uma carreira carnavalesca de grande sucesso. Quem também brilhou foi Ciganerey, em uma bela performance e usando seu talento para sustentar a canção da tricolor de forma valente. Valeu bem mais que o 10º lugar alcançado pela Inocentes, uma posição tão contestável que acabou afastando o presidente Reginaldo Gomes após aquela apresentação. É digna, de qualquer forma, de todas nossas afetuosas memórias.

Mocidade Independente de Padre Miguel 2014 
(Pernambucópolis)
Passando por uma crise política e de identidade que completava exatos dez anos naquele ano, a Mocidade teve bastante o que lamentar durante todo o conturbado pré-carnaval que viveu em 2014. Algo ainda mais fortificado após quase flertar com o rebaixamento em uma complicada apresentação sobre o Rock In Rio em 2013. Entretanto, ninguém podia imaginar que mesmo assim a Estrela Guia de Padre Miguel faria uma de suas mais simpáticas apresentações da década, revelando a força da agremiação mesmo em um momento difícil. Após passar por maus bocados na Portela, o carnavalesco Paulo Menezes também não teve sorte quando foi contratado pela verde e branco. O barracão sofreu com muitos atrasos e só começou a andar semanas antes do carnaval, quando finalmente o polêmico presidente Paulo Viana foi afastado por irregularidades. A decisão judicial marcou o retorno da família Andrade à escola, com Rogério Andrade coroado como patrono. As figuras que passaram a ditar as regras apoiaram a Mocidade e ajudaram a dar um gás para a produção da apresentação.
A explosão colorida e tropical deu o tom visual do enredo que lembrava o genial Fernando Pinto. Foto: Marco Antonio Cavalcante/Riotur.

Apesar de tantos problemas internos, a Mocidade tinha de saída um excelente enredo passeante pela cultura do estado de Pernambuco, por meio de Fernando Pinto, lá nascido. O lendário carnavalesco cacheado e tropicalista serviu de fio condutor da narrativa, em estrutura parecida com que Menezes usou na Portela em 2012 e 2013, nos enredos Clara-Bahia e Madureira-Paulinho da Viola. O enredo foi batizado com uma referência ao lendário carnaval de 1987 da escola da Zona Oeste. O desfile rendeu uma plástica surpreendente, que conseguiu aliar o estilo mais clássico e rococó de Menezes com a irreverência tropical de Pinto. Essa mistura já foi vista na comissão de frente de Sérgio Lobato, com Xuxas espaciais em referência ao enredo “Beijim, Beijim, bye, bye Brasil”, de 1988. Naquele carnaval, a abertura da Mocidade também trouxe integrantes fantasiados de rainha dos baixinhos. Fernando, entretanto, não viu o desfile da escola e nem suas Xuxas, já que faleceu precocemente em novembro do ano anterior, 1987, após um acidente de carro. Do belo conjunto alegórico da agremiação, destacou-se a alegoria sobre o boi-bumbá e a enorme escultura de Pietá em sua versão de barro. Também simpático, o samba-enredo da parceira de Dudu Nobre, que retornava à sua escola de coração, conquistou fãs por seus versos alegres e bem sacados, embalando um desfile surpreendente. Deve ser recordado, mesmo tendo conquistado um 9º lugar. 


Imperatriz Leopoldinense 2014
(Arthur X – O Reino do Galinho de Ouro na Corte da Imperatriz)
Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe, ôôô, o show começou! Depois da já aqui elogiada apresentação de 2013, a Imperatriz seguiu trilhando boas escolhas em seus carnavais. Apesar do ótimo fruto da parceira estabelecida em 2013, Mário e Kaká Monteiro se despediram da agremiação, deixando apenas Cahê Rodrigues na comando criativo. Acostumada a temas mais históricos, a Rainha de Ramos surpreendeu ao anunciar uma homenagem a um ícone popular do futebol: Zico. O grande trunfo da escola foi a boa condução do enredo, que poderia soar banal. Ele ganhou ares fantásticos ao transformar Arthur Antunes Coimbra (Zico) em Arthur X, traçando um paralelo com a figura celta de Rei Arthur e dando ao esportista um verdadeiro Reino do Futebol. Esse fio condutor possibilitou um ótimo passeio pela história do jogador, nascido na região da Leopoldina, vencedor de batalhas pelo Flamengo e ídolo no Japão. 

O grande homenageado desfilou no dia de seu aniversário no alto da coroa da Imperatriz. Foto: Marco Antonio Cavalcante/Riotour.
Assim como a condução do enredo, a plástica também surpreendeu. Quem esperava ver um visual composto apenas de meiões e bermudas acabou se decepcionando. A proposta épica possibilitou a criação de fantasias e alegorias requintadas no estilo ao qual a verde e branco estava acostumada. Cahê novamente contou com o auxílio de Leandro Vieira na concepção de fantasias e alegorias. Já na comissão de frente, Deborah Colker fez um caprichoso trabalho com seu já reconhecido estilo contemporâneo. A narrativa do grupo homenageou todos os meninos brasileiros que sonham ser jogadores de futebol, como um dia Zico o fez. Após muitos elogios e notas insatisfatórias em 2013, o casal Rafaela Theodoro e Phelipe Lemos também fez uma ótima apresentação e conquistou o reconhecimento do público e da crítica. Mais um trunfo para além da simpatia do homenageado foi o samba-enredo escolhido pela agremiação. A obra, defendida por Wander Pires, era animada e explodia em um refrão contagiante, que emulava os gritos de torcidas dos estádios de futebol. A composição era do cantor Elymar Santos, torcedor da alviverde e campeão da disputa de samba logo na sua estreia. Chegou-se a apontar a Imperatriz como uma das favoritas ao título nos primeiros minutos do cortejo, mas a chance de campeonato acabou sendo prejudicada por vários problemas de evolução. O abre-alas teve dificuldades de locomoção logo na primeira cabine de julgadores, quando uma chuteira que vinha à frente do carro travou. A última alegoria, com o homenageado, também empacou em frente ao Setor 1, gerando um problemático buraco. O resultado não foi injusto e a escola conquistou o 5º lugar em um carnaval para lá de disputado. 
Unidos de Vila Isabel 2016
(Memórias do Pai Arraia – um sonho pernambucano, um legado brasileiro)
Após o seu terceiro título, a Vila Isabel passou por altos e baixos na década. Depois da polêmica apresentação sem algumas fantasias em 2014, a azul e branco não conseguiu se restabelecer completamente, mesmo com o samba de 2015 prometendo a volta da “dignidade ao ninho”. Enfrentando sérios problemas administrativos, o cenário continuava não sendo tão animador àquele carnaval que se desenhava. Na batuta criativa, a agremiação se reencontrou com Alex de Souza, retornando ao bairro de Noel após um bem sucedido casamento com a União da Ilha. Outro trunfo daquele ano foi a aproximação de Martinho da Vila. O compositor participou ativamente da escolha do enredo, em homenagem ao político pernambucano Miguel Arraes no ano de seu centenário.
O belo conjunto visual criado pelo carnavalesco Alex de Souza. Foto: Alexandre Macieira/Riotur.

O tema, a princípio espinhoso e de difícil materialização, desenhou-se com originalidade. Mais uma vez afiado em suas narrativas, Alex soube passear pela cultura de Recife e os aspectos políticos do homenageado sem cair no pieguismo. E mesmo enfrentando a falta de verbas e de estrutura que deram o que falar no pré-carnaval, a Vila Isabel surpreendeu a Sapucaí com um belíssimo trabalho estético do artista, tanto em alegorias como em fantasias. Outro trunfo da apresentação foi o ótimo samba que envolvia uma super parceria composta pelo próprio Martinho, Mart’nália, André Diniz, Leonel e Arlindo Cruz. Mesmo cheio de qualidades, o excelente samba-enredo acabou sem tanto destaque e com menos elogios do que merecia em uma safra repleta de grandes obras. Além de sua qualidade musical, o samba funcionou muito bem na apresentação oficial também graças à atuação de Igor Sorriso, que estreava na escola. Uma pena que a transmissão oficial do desfile cortou a apresentação ainda em andamento, não exibindo a última alegoria que lembrava o Galo da Madrugada. Mesmo com qualidades suficientes que valessem uma volta nas campeãs, a Vila ficou no 8º lugar. Seus torcedores, entretanto, devem sempre se orgulhar desse carnaval posicionado, ligado à tradição de pautas relevantes e à defesa de lutas sociais que permeiam a história de Miguel Arraes, de Martinho da Vila e de Vila Isabel, embora a escola esteja derrapando nas últimas temáticas.

Acadêmicos da Rocinha 2017
(No saçarico da Marquês, tem mais um freguês: 
Viriato Ferreira)
Assim como o caso da Vila Isabel em 2016 e da Mocidade em 2014, esse desfile da Rocinha também teve seus bastidores conturbados e foi marcado pela falta de verba. Foi, assim, também uma apresentação de afirmação e renascimento para a agremiação e para o seu carnavalesco. De um lado, a tricolor da Zona Sul buscava  estabilidade no grupo após o retorno de uma temporada na Intendente Magalhães. Do outro, o jovem João Vitor Araújo buscava se reafirmar na festa após um ano de hiato dos holofotes principais, quando trabalhou como figurinista para Paulo Barros na Portela em 2016. O casamento deu muito certo. Além disso, mais uma característica comum a outros desfiles citados dessa lista foi o excelente enredo proposto, que reverenciou uma figura de bastidor, pouco conhecida, mas que de enorme relevância: Viriato Ferreira.

A alegoria em homenagem aos carnavais de Viriato na Portela misturou o circo com o fundo do mar. Foto: Fernando Grilli/Riotur.

Escondido atrás de figuras mais midiáticas, como Joãosinho Trinta e Rosa Magalhães, Viriato deixou sua assinatura na festa em figurinos luxuosos e que dialogavam com o Teatro de Revista. Esteve por trás de grandes carnavais de João, como “O mundo é uma bola” e “Ratos e Urubus”. Também assinou carnavais solo na Portela, quando foi campeão em 1980 com “Hoje tem marmelada”. Em 1991, assinou o carnaval da Imperatriz. Já doente, foi o responsável por fazer a ponte que levou a contratação da professora Rosa pela escola de Ramos. Em 1993, quando auxiliava Rosa com desenhos de alguns figurinos no enredo sobre a história do carnaval, o artista nos deixou precocemente e ganhou uma homenagem da professora na última alegoria. A frase contida naquele carro batizou o enredo da Rocinha, que passeou por estas três agremiações nas quais Viriato foi ligado: Portela, Beija-Flor e Imperatriz. Afirmando seu bom gosto e requinte, João Vitor conseguiu driblar a falta de estrutura e verba da agremiação, apresentando um belíssimo show de fantasias e alegorias, bem coloridas e vibrantes. Para embalar o visual, um simpático samba ajudou a conduzir a boa apresentação. A Rocinha faturou um honroso 6º lugar e fez uma das mais simpáticas e agradáveis apresentações do trágico ano de 2017. Viva Viriato!

União da Ilha 2017

(Nzara Ndembu – Glória ao senhor tempo)

Eu vou incorporar, hein! Como não amar um desfile que rendeu um dos melhores memes recentes da folia? Após flertar com o rebaixamento com o seu segundo carnaval inspirado pelos jogos olímpicos na década, a União da Ilha fez uma aposta ousada para o carnaval de 2017, fugindo do seu famoso estilo de leveza e alegria. Buscando novos rumos, a tricolor contratou Severo Luzardo para fazer sua estreia no grupo principal, após bons serviços prestados na Série A. Deixando a tríade “bom, bonito e barato” de lado, a aposta foi em um enredo denso sobre o candomblé banto. Dessa forma, marcou o primeiro tema desenvolvido sobre um inquice na Sapucaí, explorando a rica cultura ancestral de Angola, diante de uma manifestação cultural – as escolas de samba – acostumada a narrativas religiosas ligadas ao tronco nagô-iorubá.
O gigantesco abre-alas tinha uma escultura de 18 metros de altura. Foto: Cezar Loureiro/Riotur.

Passeando por elementos da natureza e divindades bantas associadas a eles, Severo apostou em uma estética voluptuosa e requintada. A volumetria do conjunto alegórico chamou atenção já no abre-alas, que trouxe uma enorme escultura que alcançava 18 metros quando erguida. Os próximos carros mantiveram o alto nível, formando um belíssimo conjunto com as luxuosas fantasias da tricolor insulana. A comissão de frente foi assinada pelo experiente Carlinhos de Jesus, apostando em truque que parecia fazer levitar um dos bailarinos. O casal de mestre-sala  porta-bandeira também não ficou devendo na estreia de Phelipe Lemos e Dandara Ventapane na insulana. Tudo isso foi embalado por um dos grandes sambas da escola na década, mais uma vez defendido magistralmente por Ito Melodia. A grande atuação do cantor foi acompanhada muito bem pelo excelente trabalho de Mestre Ciça à frente dos ritmistas. Porém, se tantas qualidades podiam fazer a tricolor sonhar com uma vaga nas campeãs, problemas motores nas grandiosas alegorias acabaram prejudicando a evolução. As dificuldades geraram enormes clarões na pista e fiizeram a agremiação correr para encerrar o cortejo dentro do tempo previsto. Terminou em 8º lugar.

Imperatriz Leopoldinense 2017
(Xingu, o clamor que vem da floresta)
Mais um desfile da Imperatriz na lista e mais uma apresentação da parceria entre a escola e o carnavalesco Cahê Rodrigues. Durante seis carnavais, os dois passearam por uma gama de enredos variados. Após o Pará e o Zico já lembrados aqui, a escola ainda cantou a África Pop de Axé Nkenda e a dupla Zezé Di Camargo e Luciano. Voltando a apostar em uma narrativa mais geográfica, “Xingu” fez uma homenagem aos povos indígenas que ocupam a área que corta o norte brasileiro. Além da natureza e dos saberes dos verídicos donos dessa terra, não faltou ainda  homenagem à atuação dos irmãos Villas-Bôas como defensores do local e da criação do Parque Indígena da região.
Os dançarinos da comissão de frente levitam entre os componentes de uma ala. Foto: Tata Barreto/Riotur.

Acostumada com a discrição, a Rainha de Ramos pisou na Avenida após ganhar visibilidade com uma série de polêmicas no pré-carnaval. A fantasia de uma ala que criticava o agronegócio repercutiu negativamente pelos ruralistas e fazendeiros, gerando polêmicas. Além disso, um verso do samba também gerou discussão ao citar o “Belo monstro que roubava a terra de seus filhos”, em referência à construção da usina de Belo Monte. Apesar disso, a verde e branco passou na pista já superada de tantas polêmicas. A plástica assinada por Cahê Rodrigues se mostrou imponente, com interessantes escolhas visuais, apesar de problemas de acabamento em algumas alegorias.

O lendário Cacique Raoni não só se fez presente, como foi lembrado no samba-enredo da escola. Foto: Rodrigo Gorosito/G1.
A apresentação começou com uma bela comissão de frente coreografada por Claudia Motta, trazendo uma bonita coreografia e um tripé com uma coroa, símbolo da escola. Musicalmente, a verde e branco estava bem servida com uma obra poética e que marcou a estreia de Arthur Franco como intérprete. À época desconhecido, o cantor lírico gerou desconfianças, mas acabou tendo uma ótima atuação ao não deixar o longo e melodioso samba se arrastar na Avenida, como já havia acontecido em anos anteriores na agremiação. Para essa missão, ele contou com o excelente desempenho da bateria de Mestre Lolo. Mesmo com tantas qualidades, o ponto alto do desfile foi a presença emocionante do líder indígena Raoni, parte marcante não só da trajetória do Xingu mas da história recente do Brasil. Mesmo com um visual honesto e bem nos quesitos musicais, a Imperatriz não desfilou nas campeãs, quando muito defendiam sua volta entre as seis primeiras posições. Então, relembremos e relembremos esse gostoso desfile!

São Clemente 2019

(E o samba sambou…)

Frequentando o Grupo Especial de ponta a ponta nesta década, a São Clemente teve altos e baixos na busca por garantir essa vaga e essa estabilidade conquistadas dignamente em 2012. Os rumos da escola mudaram definitivamente com a chegada de Rosa Magalhães, que realizou bons carnavais, não tão bem avaliados. A falta de peso da bandeira também prejudicou a boa parceira entre a preto e amarela com Jorge Silveira, que cumpriu a difícil missão de substituir a professora em 2018. Marcada pelos enredos críticos nos anos 80, a escola da Zona Sul demorou a surfar na onda das narrativas sociais que marcaram a segunda metade da década. Após fazer uma ponte entre o estilo acadêmico de Rosa em homenagem à história da Escola de Belas Artes (EBA), Jorge resolveu resgatar a irreverência de Botafogo, com uma reedição do samba de seu carnaval mais famoso. 
Bem-humorado, o segundo carro alegórico criticou os camarotes barulhentos e cheios de celebridades.  Foto: Fernando Grilli/Riotur.
Reinterpretando o enredo de Carlinhos D’Andrade e Roberto Costa quase trinta anos depois, o carnavalesco atualizou com propriedade as críticas aos rumos das escolas de sambas. Seu característico traço cartunesco deu o tom a uma apresentação leve e divertida, que se comunicou com o público desde a comissão de frente coreografada por Junior Scapin. Relembrando as sucessivas viradas de mesas do carnaval nos anos anteriores, o grupo deu a tônica do desfile que seguiu falando de carnavalescos vaidosos, camarotes com músicas ensurdecedoras, os cartolas do samba e componentes robotizados. 

O último carro da São Clemente, que brincava com o corte de verbas, passa “incompleto” na Sapucaí. Foto: Rodrigo Gorosito/G1.

O bom trabalho estético foi coroado com uma das mais belas alegorias daquele ano. Uma estrutura vazada, com ferros em amarelo, representou um carro incompleto após o corte de verbas, trazendo como destaques os carnavalescos que batalhavam na Série A com a falta de grana. O famoso samba-enredo da escola, composto por Helinho 107 e seus parceiros, foi conduzido por Leozinho Nunes, Bruno Ribas e Larissa Luz. Ótimas bossas da Fiel Bateria também aconteceram no refrão do meio, em referência à hollywoodização da folia. Infelizmente, mesmo com um samba fácil de cantar e bastante conhecido, a harmonia da escola não se destacou mais uma vez e ficou devendo em animação. Isso não tirou o brilho de um desfile para lá de simpático que amargou um inexplicável 12º lugar, na beira do rebaixamento. O samba realmente sambou e a gente tenta se lembrar das memórias da melhor forma!


Menções honrosas

Como a gente sempre gosta de dizer, não é tarefa fácil a missão de escolher apenas um #TOP10 de presentações, ainda mais nessa lista de caráter tão subjetivo. Foi um debate intenso entre nossa equipe, mas que tentou mapear apresentações com muitas qualidades e de forte caráter afetivo. São os nossos xodózinhos da década e que acabaram ofuscados nas lembranças carnavalescas, perdendo espaço para as apresentações mais marcantes de cada ano – seja pro lado positivo ou negativo. Além dos citados na lista principal, separamos algumas menções honrosas de apresentações poucos lembradas mas que valem muito serem revistas ou conhecidas. Novamente, registramos que não há hierarquia nem lista principal, nem nas menções.

Corram para o Youtube para ver essas belezuras e depois nos agradeçam!

União da Ilha 2011 (O Mistério da Vida)

Mocidade Independente de Padre Miguel 2012 (Por ti, Portinari: rompendo a tela, à realidade)


Unidos de Padre Miguel 2013 (O reencontro entre o céu e a terra no Reino de Alá Àfin Oyó)

Acadêmicos da Rocinha 2013 (Mistura de sabores e raças: Uma feijoada à brasileira)

Acadêmicos do Grande Rio 14 (Verdes olhos sobre o mar, no caminho: Maricá)



Caprichoso de Pilares 2015 (Na minha mão é mais barato)

Unidos do Viradouro 2017 (… E todo menino é um rei)


Porto da Pedra 2018 (Rainhas do Rádio – Nas ondas da emoção, o Tigre coroa as divas da canção!)



Renascer de Jacarepaguá 2019 (Dois de fevereiro no Rio Vermelho)



Paraíso do Tuiuti 2019 (O salvador da pátria) 

Fique à vontade para fazer sua lista e enviar para nós nas nossas redes sociais! Qual o seu #TOP10 de desfiles poucos lembrados do Rio de Janeiro dessa década?! Queremos saber!


Além dos textos com as listas, o #PodcastDoCarnavalize também retorna trazendo os bastidores de cada escolha, das decisões, do que discordamos e concordamos, um dia após a liberação de cada #TOP10! Os membros do Carnavalize, de quarentena, reviram vários desfiles e votaram pelos 10 destaques de sambas, desfiles, comissões de frente, personalidades… É óbvio que não faltou debate! É conteúdo pra ler e ouvir! Se liiiga e carnavalize conosco!



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