#SérieEnredos: Enredos críticos em terras paulistanas: verdade ou mito?

Por Alisson Valério e Leonardo Antan

A “Série Enredos” dominará o site aqui durante o mês de maio, com textos novos às quartas e sextas.

Foto: Alexandre Schneider/UOL
Nunca se falou tanto sobre os enredos críticos como no último Carnaval. Em meio ao momento social agitado, a volta da temática repercutiu bem e garantiu bons resultados no Rio de Janeiro. Sempre atreladas a seu tempo, as escolas de samba assumiram o papel de porta-vozes culturais, desfilando temas políticos em diversos momentos, seja retratando de variados problemas da nossa sociedade ou usando a crítica e irreverência para reflexão. A volta desses enredos busca resgatar a identidade cultural das agremiações, que se não se perdeu totalmente, mas tornou-se esquecida com o passar do tempo.
Além disso, a importância desse resgate é a volta da representação do povo e da sua realidade atual nos desfiles, formulando empatia entre as agremiações e o público, de modo que os espectadores se envolvam e sintam-se ainda mais representados pelas escolas de samba.
Mas apesar de famosos nas terras cariocas, quem disse que as escolas paulistanas também já não cantaram temas engajados em suas apresentações? É exatamente o que iremos desvendar. Vem com a gente!
Vai-Vai 2008 – “Acorda Brasil, a saída é ter esperança”

Alexandre Schneider/UOL
O desfile é baseado na peça “Acorda Brasil”, de Antônio Ermínio de Moraes, que retrata o cenário de um incêndio na comunidade de Heliópolis, no ano de 1996. O fogo causou comoção ao maestro Silvio Baccarelli, que resolveu montar uma escola de música na comunidade, nascendo assim o Instituto Baccareli, que deu origem a uma grande orquestra popular. Transformando e mudando o destino de muitos habitantes da periferia por meio da educação e da música. 
O renomado carnavalesco Chico Spinoza resolveu contar essa história real no carnaval do Vai-Vai em 2008, com a mensagem final de que a única forma de acordar e colocar o Brasil no rumo certo seria a educação. A combinação da “Escola do Povo” como porta-voz da população não tinha como dar errado e o grito de “Acorda Brasil” ecoou durante todo o desfile, arrebatando a arquibancada e conquistando o título daquele ano, fato raro em se tratando de enredos críticos no Carnaval. E com um dos melhores sambas de sua história, a escola deixou o seu recado: “Alô Brasil, o nosso povo quer mais educação pra ser feliz, com união vencer a corrupção, passar a limpo esse país...”.

Hoje, dez anos atrás continua tão atual, não é mesmo? Seguimos na esperança de que esse grito seja ouvido e o nosso país acorde.

Império Casa Verde 2018 – “O povo, a nobreza real”

Alisson Valério/Carnavalize
O mais recente enredo crítico do Carnaval de São Paulo não poderia ficar de fora, certo? Usando como pano de fundo o cenário da Revolução Francesa para falar sobre a realidade atual do Brasil – com muitos na pobreza e poucos na riqueza – a Império de Casa Verde coroou, em seu desfile de 2018, a nobreza real brasileira: o povo!
O carnavalesco Jorge Freitas acertou em cheio na escolha: um verdadeiro show de história e crítica. Plasticamente impecável (e que assim conseguiu driblar a afirmação que enredo critico geralmente tem a sua plástica comprometida), o desfile, mesmo não conquistando o título – ficando um pouco longe disso, no sétimo lugar – com certeza ficou marcado na memória de muita gente: “Sonhei um sonho onde há coragem pra mudar o mundo, a igualdade segue junto derrubando as Bastilhas. Um sonho sonhei em que a lei era dignidade, todo camponês se torna rei, nessa folia é realidade…
Águia de Ouro 2006 – “Não tem desculpa”

Keiny Andrade/Folha Imagem
Como carnavalizar um tema difícil? A denúncia ao tráfico de crianças com finalidade de prostituição e pedofilia foi o enredo escolhido para o carnavalesco Victor Santos no Águia de Ouro, em 2006, buscando sensibilizar as pessoas sobre os direitos infantis e também do respeito a infância.

A comissão de frente mostrava um grande combate entre o pensamento infantil, representado por magos, contra o pensamento monstruoso, representado por guerreiros selvagens e primitivos, se encerrando com uma homenagem a todas às ONGs que lutam pelos direitos das crianças e prendendo os vilões em grades, deixando bem clara a mensagem do desfile, que viajou pela inocência do mundo infantil na sua luta contra os pensamentos cruéis e maldosos do mundo adulto. Um enredo pesado, um verdadeiro soco no estômago, mas que retratou esse grito por respeito aos direitos das crianças de uma forma muito bonita. O samba deixou o seu recado: “Não tem desculpa não, denuncia é a solução, pra quem tem culpa, sofrer a punição. ”

Tucuruvi 2001 – “São Paulo dá Samba, olha aí o Nosso Carnaval”
Evélson de Freitas/Folha Imagem

Túmulo do samba? Nada disso. O carnavalesco Marco Aurélio Ruffin resolveu mostrar que São Paulo dá samba e fez uma verdadeira exaltação à história do carnaval paulistano no desfile da Tucuruvi em 2001.

O desfile começou no samba paulistano, tendo um verdadeiro arauto do ritmo na sua comissão de frente, seguindo ali para contar a história do nascimento do carnaval em São Paulo, até a chegada do palco para provar a sua raiz, com a construção do Anhembi. Tema justamente do último carro, que infelizmente teve um problema e acabou não cruzando a avenida. Mas o que não comprometeu o desfile e a verdadeira declaração de amor ao samba da Terra da Garoa. Além disso, o hino da agremiação deixou o seu aviso a Vinícius de Moraes e a quem ousar chamar o Carnaval de São Paulo de túmulo do samba: “Se enganou, olha aí, não sou um túmulo, eu sou feliz, ganhei um palco pra provar minha raiz, deixei de ser marginal, segui outra diretriz, meu samba hoje é o orgulho do país”.

Gaviões da Fiel 2002 – “Xeque-Mate”

Rogério Cassimiro/Folha Imagem
É óbvio que esse desfile do mago Jorge Freitas, não poderia ficar de fora, né? Dessa vez pelos Gaviões da Fiel, ele transformou a avenida em um verdadeiro tabuleiro de xadrez. Dar um justo e merecido xeque-mate nas guerras, corrupções e impunidades era o objetivo dessa narrativa. O resultado seria transformar o nosso país em um lugar de paz, com mais moradia, mais educação e segurança: uma jogada de mestre.

A forte crítica arrebatou o público presente numa grande apresentação, que se tornou uma das mais memoráveis de São Paulo. E continua possuindo aplicabilidade no cenário contemporâneo, tanto na esfera política quanto na esfera social: “É hora da virada (vem amor), tenho fé e esperança (no coração), o meu país menino vai mudar, e a felicidade há de brilhar“.

Seguimos com essa esperança e acreditando na mudança.

Nenê de Vila Matilde 1985 – “O dia que o cacique rodou a baiana, aí ó

Se em terras cariocas os enredos críticos tiveram seu auge durante a década de 1980, durante a redemocratização, o carnaval paulistano também reverberou o cenário social agitado. A Nenê de Vila Matilde utilizou como fio condutor a eleição do primeiro indígena a se tornar deputado federal, o Cacique Juruna, para fazer uma crítica às desigualdades sociais, usando o carnaval como forma de despertar a mobilização social.

O samba fez ainda crítica a cultura de massa “alienante” na figura do personagem Macobeba, reivindicando, também, o lugar do negro na representação política, convocando todos a “rodarem a baiana”. Representatividade que fala, né? Afinal como dizia a letra: “Negro também quer poder falar alto, rodar a baiana e chegar no Planalto.” 

O desfile da azul e branco foi um sacode, não só garantindo o título para a agremiação, mas a chance de protagonizar um momento histórico, ao ir desfilar no Sambódromo do Rio de Janeiro, abrindo o desfile das campeãs daquele ano.

Escolher os desfiles críticos desse texto foi uma missão complicada! Optou-se pelos mais marcantes e os que ainda ressoam, se tornando ainda atuais no cotidiano do país. Caso você seja fã de enredos críticos e não conheça tantos desfiles de São Paulo com essa vertente, não precisa se preocupar! Segue uma lista de outros carnavais políticos para descobrir ainda mais a folia do Anhembi: 
Camisa Verde e Branco 1990 – “Dos Barões do Café a Sarney, Onde Foi Que Eu Errei”; 
Mocidade Alegre 1991 – “A história se repete”; 
Gaviões da Fiel 1992 – “Cidade Aquariana”; 
Unidos do Peruche 1995 – “Não Deixe o Samba Sambar”; 
Gaviões da Fiel 1997 – “O Mundo da Rua”; 
Rosas de Ouro 2000 – “Yes, nós temos mais que banana”; 
Vai-Vai 2000 – “Vai-Vai Brasil”; 
Império de Casa Verde 2005 – “Brasil: Se Deus é por nós, quem será contra nós?”; 
Vai-Vai 2009 – “Mens Sana et Corpore Sano – O Milênio da Superação”.
E fique ligado a “Série Enredos” vai encher o mês de maio do nosso site com matérias sobre os temas que as escolas levaram para a avenida, com textos novos toda quarta e sexta. Por isso, venha carnavalizar conosco. 

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